fran A gente cresceu como entusiastas de tênis e moda, com lojas como a 24 Kilates em Barcelona, que foram pioneiras na Espanha. Eles foram os primeiros a abrir uma loja especializada na Espanha, e a gente admira eles demais. Mas em Madrid, não tinha lojas que transmitissem a cultura de tênis e streetwear, como a gente via em outras lojas em Paris ou Londres. A gente queria fazer uma loja assim porque achávamos muito legal, a gente adorava isso.

Mesmo a 24 Kilates em Barcelona, eles são pessoas muito especiais – são dois fundadores, nós também somos dois fundadores. A gente se conheceu no passado e existe um reconhecimento e respeito mútuo entre nós. Tem tantas outras lojas que foram grandes inspirações pra gente, que hoje são muito grandes, mas começaram pequenas como a Solebox, a Sneakersnstuff e, é claro, a Patta, que para nós é o melhor tipo de loja. Não é sobre os produtos que eles estão vendendo, é sobre tudo que fazem e representam, é a comunidade e a marca que se tornaram. E nós queríamos fazer uma loja assim – ter pessoas esperando na fila a noite toda para comprar camisetas da nossa marca, isso era o que a gente queria.

fran Sim. Naquela época, o mercado de tênis era composto principalmente por colecionadores, era um nicho. Agora, tornou algo enorme. Nesses últimos lançamentos com marcas e lojas de luxo, isso não representa a cultura de tênis, na minha opinião. Todas essas novas colaborações são com marcas de high fashion e eu não sou um cara high fashion, eu sou das ruas. E eu entendo, tem as fotos, a semana de moda de Paris é legal, mas onde tá a rua? Onde estão as pessoas na fila, as que entram para curtir a loja, tomar uma cerveja e falar sobre tênis? Tem bem menos dinheiro envolvido, mas é tão real.

Os pilares desse mercado agora são as pessoas das antigas, e eles estão cansados de perder Sneakers App e só ver músicos e rappers fazendo colaborações. Eles deveriam trazer de volta as boutiques, as lojas para essas colaborações, porque elas têm o conhecimento e as histórias. E essa é a luta que temos hoje, não somos valorizados o suficiente. Nós, como comunidade de tênis, precisamos reconectar com os jovens, porque agora eles estão interessados em outra coisa, é mais sobre as redes sociais, não tanto sobre o físico, mas é a evolução do mercado. Então, temos que nos adaptar, evoluir com o tempo, manter a essência e retornar ao espírito da loja. E ao mesmo tempo, tentar conquistar novos clientes e trazer jovens que possam expressar a cultura, ou que possam lembrar o que é a Nigra Mercato em 10 ou 20 anos.

fran É mais prático. Somos a única loja neste bairro. Tem outros bairros como Malasaña, que seria como um Soho de Madrid, onde você tem muitas lojas de tênis, mas não são lojas especializadas como a Nigra Mercato. Naquela época, se você abrisse uma loja de tênis do lado de outra que também vendesse Nike e outras marcas, eles cancelavam a sua conta por ter muitas lojas próximas vendendo os mesmos tênis. Então eles falaram “se você for para outro bairro, podemos abrir uma conta e para você ter Nike, adidas, etc.” Escolhemos esse bairro porque a gente acha que as pessoas viriam para a Nigra Mercato. Esta não é uma rua comercial, tem mais bares, restaurantes, mas não lojas. Pensamos que se abrissemos uma loja aqui, as pessoas viriam porque a gente ia fazer ela ser muito legal.

fran Entendemos que não é só sobre tênis. Acho que para mostrar o estilo de vida que a gente tem, os livros podem ajudar a transmitir isso muito bem porque gostamos de arte. Gostamos de design, gadgets e coisas legais para ter na sua casa. Todos os nossos produtos falam sobre nossa ideia de lifestyle. É por isso que temos um fliperama, é tudo pela diversão. A ideia por trás da loja foi pensar no que o “eu” de 14 anos gostaria de ter em seu quarto: um fliperama, é claro, muitos tênis, coisas legais de marcas legais, e livros dahoras. Gosto de pensar que se um mini Fran entrasse na minha loja, ele diria “uau! Este é o lugar mais legal do mundo, eles têm um fliperama e todos esses tênis, eu amo tudo isso! Quero ter tudo isso no meu quarto”.

Esta é uma boutique estilosa, você pode ver que o design é muito minimalista, mas também tem elementos divertidos – é uma mistura. Somos pessoas sérias, gostamos de arte, moda, somos pessoas descoladas, mas também somos crianças e gostamos de nos divertir e fazer piadas. Esta é uma boutique, mas você vai se divertir.

Por bem pouco a loja quase não aconteceu. Somos muito humildes e não tínhamos esse tipo de dinheiro para abrir a loja. A gente dependia dos bancos, e os funcionários eram muito cabeça dura, tivemos que convencer eles a nos dar o dinheiro para a loja. Foi tipo “queremos vender tênis esportivos”. E eles diziam “ah sim, tênis esportivos para correr”. E A gente respondia, “não para correr, pra usar no dia a dia” (risos). E eles diziam “não existe isso, é impossível”, eles não entendiam. Quando os tênis começaram a inundar o mercado aqui na Espanha, aí eles entenderam, “ah, então era disso que você tava falando”.

fran Começou como toda criança. Eu praticava atletismo e a gente usava tênis de corrida pra treinar. Quando eles estavam surrados, eles viravam os tênis de ir pra escola. Eu sonhava com os melhores tênis, os caros, mas não tínhamos dinheiro para comprar Nike ou New Balance. A gente usava marcas como a Joma, que é uma marca local da Espanha. Eu sonhava como qualquer outra criança do bairro. Naquela época não tinha loja de tênis, então a gente olhava a vitrine de uma loja de esportes muito clássica, chamada Deportes Moya, e ficávamos fissurados olhando para os tênis da Nike, Jordan, os Ewing. Só sonhando em ter tênis melhores, os mais caros. Isso se tornou um desejo: “talvez um dia eu possa ter os tênis do Patrick Ewing, ou os do Scottie Pippen, os Pennys, ou os Jordans”.

Eu cresci, ganhei um pouco de dinheiro e comecei a me conectar com os tênis e a encontrar meu estilo. Foi assim que comecei, e é uma história comum para pessoas da minha geração (risos).

fran A história por trás desses dois tênis, esses dois Air Max 1 Bespoke, é que os fizemos para o Air Max Day de 2018. Fizemos para chamar a atenção da Nike, a gente queria fazer uma colaboração de tênis como qualquer outra loja no mundo. Escrevemos para eles, mostramos projetos e nunca aconteceu. Então falamos, “ok, vamos fazer nosso próprio tênis, nossa própria história com nosso próprio vídeo, mostrar pra Nike que podemos fazer um tênis memorável e as pessoas vão gostar, vai ter engajamento local e as pessoas na Europa vão apreciar.”

Fizemos por conta própria com o programa Bespoke da Nike. Na verdade, fizemos dois Air Max 1. Um é chamado ‘Dama de Noche’, é o nome da flor do cacto, que só floresce uma noite por ano. O tênis tem tons de verde e roxo inspirados na cor da flor, e aí tem uma camada refletiva por baixo e funciona como uma metáfora de como você só pode ver a flor uma vez. À noite, quando alguma luz bate no tênis, ele se acende e depois desaparece – assim como a flor, você vê ela por uma noite e depois ela morre.

O outro é chamado ‘Boquerón’, que é inspirado nos boquerones (anchovas) no vinagre, um tapa espanhol clássico, especificamente de Madrid. É inspirado nas tabernas locais, na cultura dos bares, cervejas, e em sair com os amigos. Esse é um rolê muito típico pra gente, pegar umas cervejas e tapas. Para os espanhois, sair com os amigos é um estilo de vida, e tudo isso tá representado neste tênis.

Essa colorway ‘Boquerón’ é inspirada no óleo que vem com o boquerón, que é um peixe cru. No tênis, você pode ver o cinza inspirado no peixe, tem um swoosh verde para o óleo e um swoosh roxo para o alho. É um esquema de cores muito clássico. Também tem o mesh OG do lançamento de 1987, o mesmo que o Air Max 1 original. Os dois tênis têm o mini swoosh, porque aqui na Espanha a gente ama o mini swoosh, é muito importante para nós.

fran Tenho uma teoria. Tinha uma empresa de distribuição de artigos esportivos aqui na Espanha, e nos anos 60 ou 70, quando a Nike ainda não era tão grande quanto hoje, eles assinaram com a Nike para fazer a distribuição na Espanha, porque era um mercado pequeno. Eles assinaram um “contrato de morte”, era uma licença vitalícia, o que é absolutamente insano se você parar para pensar. Mas eles provavelmente pensaram “Espanha, eles têm Franco, eles não compram tênis, então não é importante”.

E o tempo passou. Nos anos 90 a Nike tava gigantesca e eles descobriram que tinha um distribuidor local na Espanha ganhando muito dinheiro com eles. Eles precisavam fazer alguma coisa, mas como o contrato era vitalício, eles começaram uma batalha legal.

Essa empresa de distribuição espanhola encontrou uma marca espanhola chamada Nike (Niké), como a deusa grega da vitória, a mesma da verdadeira Nike. Eles registraram a marca “Nike”, de modo que a verdadeira Nike não pudesse usar legalmente seu nome na Espanha. Isso é insano. Então, eles começaram a fazer roupas com a Niké (risos). As pessoas começaram a comprar essas roupas supostamente da Nike, mas a verdadeira Nike não podia vender nada com seu nome na Espanha – por isso eles começaram a usar o mini swoosh, porque era uma maneira de mostrar que era a verdadeira Nike, sem precisar escrever “Nike”. É por isso que o mini swoosh é tão importante para os espanhóis, porque significa a verdadeira Nike.

fran Porque é a nossa silhueta favorita, nosso tênis favorito, e porque é o tênis mais importante para a cultura aqui. Na Europa, o Air Max é um dos tênis mais importantes, não como nos EUA, onde o basquete e os Jordans provavelmente são mais importantes. Aqui na Europa, os tênis de corrida eram famosos, e na Espanha o Air Max era um sucesso. Lembro de procurar os Air Max 1, depois o Air Max 97, meu Deus, para mim é o tênis perfeito. Se eu tivesse que enviar um tênis para os alienígenas, seria o Air Max 1 (risos).