Alexandra Moura Alexandra M.

Alexandra Moura

Alexandra Moura x<br />
Sanjo K100 Alexandra Moura x
Sanjo K100
24—06—2024 Fotos: Kickstory
Alexandra Moura
Entrevista Nº 197

Em 2023, em nossa viagem para Lisboa, tivemos a oportunidade de entrevistar uma renomada designer de moda portuguesa. Alexandra Moura, fundadora da sua marca homônima, mergulhou no universo dos sneakers através de uma colaboração com a icônica marca de tênis portuguesa, a Sanjo. O seu interesse por arte e estética começou desde jovem, onde ela encontrou na moda uma forma de expressar suas ideias e conceitos. Influenciada pelos designers japoneses como Comme des Garçons, ela abandonou as ciências para se dedicar ao design de moda, vendo-o como uma poderosa ferramenta de comunicação.

Desde criança, Alexandra já demonstrava fascínio por sneakers, explorando lojas em suas viagens por Portugal e além. Esse interesse evoluiu ao longo dos anos, tornando-se uma paixão que ela agora tem o privilégio de traduzir em criações próprias. Com o apoio da Sanjo, ela deu vida a uma colaboração que revitalizou o clássico K100 da Sanjo, adicionando elementos distintos e inovadores típicos da marca Alexandra Moura.

“Eu sou Alexandra Moura, sou designer de moda. Temos uma marca própria e além de desenvolvermos coleções para mulheres e homens, também temos calçados, que também são todos desenhados por nós. Tivemos o privilégio de fazer parceria com uma marca icônica portuguesa que há muitos anos trabalha com sneakers. É uma paixão também da nossa marca e tem sido um desafio muito interessante trabalharmos também este lado do calçado.”

Como surgiu seu interesse pela moda, e como você entrou nesse mundo de criar e desenvolver peças?

alexandra Foi uma coisa nada planejada. Eu estudava Ciências, entre biologia animal e astronomia, mas já tinha um gosto por arte e pelo lado estético. Em uma viagem a Londres percebi que a moda era uma forma de eu comunicar um lugar onde eu não me encontrava. Ou seja, eu tinha sempre uma ideia diferente de como ver o corpo, de como ver a roupa, e naquela altura, em Portugal, causava uma estranheza muito grande.

Ter feito essa viagem, ter conhecido a escola dos designers japoneses, como a Comme des Garçons, que foi graças a um livro que eu encontrei numa livraria em Londres, me fez perceber que a forma de vermos e de comunicarmos através da roupa não tem que ser uma coisa standard, massificada. Podemos ter a nossa própria identidade. Podemos trabalhar as silhuetas, as texturas, os volumes. Isso me fascinou e acabei saindo das ciências e indo para o design de moda. Eu era um bichinho do mato, e a moda foi uma forma de me comunicar com o mundo, as minhas ideias, os meus universos, os meus conceitos.

Eu estudava Ciências, entre biologia animal e astronomia, mas já tinha um gosto por arte e pelo lado estético. Em uma viagem a Londres percebi que a moda era uma forma de eu comunicar um lugar onde eu não me encontrava.”

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Como começou o seu interesse por tênis e como isso se desenvolveu ao longo do tempo?

alexandra Desde muito pequena, eu sempre procurava coisas diferentes, inclusive nos sneakers em Portugal. Nos anos 90 não tinha muita oferta, não tinha internet, então muitas das viagens que eu fazia, eu tentava procurar sneakers diferentes. E isso me fez gostar cada vez mais disso, tentar entender cada vez mais. E foi sempre uma paixão que foi crescendo. Toda a minha vida eu andei de tênis, e agora poder pensar, desenhar e criar eles, é incrível!

Hoje muitas marcas, grandes e independentes, produzem calçados e roupas em Portugal. O país é um grande polo de produção, de muita qualidade e criatividade. Como você diria que Portugal te ajudou a moldar como designer e como isso contribuiu para a singularidade do seu trabalho?

alexandra Eu acho que o país não me ajudou muito e pode parecer estranho o que eu vou dizer, mas às vezes Portugal não é o melhor amigo do português. As portas se abrem mais depressa para marcas estrangeiras do que para marcas portuguesas. Mais depressa se diz sim, a uma marca estrangeira do que para uma marca portuguesa. Então, nunca é um trabalho fácil. Precisamos dar as cartas, ter algum reconhecimento lá fora para começarmos a ser olhados aqui dentro.

Mas Portugal tem, sem dúvida, um setor industrial do têxtil, da confecção, do calçado, inacreditável! Acho que ao longo dos anos a abertura e a compreensão sobre o designer e sobre o próprio design das coisas começou a ganhar força. Já começa a ter uma cultura das próprias empresas que fabricam, quererem ter as suas marcas próprias, o que significa que já estão dando valor ao design. Mas ainda não é um país muito fácil para o português, é uma pena, porque nós temos um know-how incrível, uma qualidade incrível.

Já é um orgulho para muita marca autoral, para muita marca de calçado ter o Made in Portugal. Eu acho que o que falta é mais aposta no lado do designer e do design puro. Dar mais espaço, não ter tantos receios. Antigamente tinha muito a cultura do “sabemos fazer, mas não sabemos criar, então vamos copiar”. E eu acho que com tanto criativo que o país tem, precisamos aproveitar essa massa criativa. Para criar, para podermos ter uma cultura como muitos países, como a França, ou a Inglaterra tem, que é a cultura do fazer, mas a cultura também do criar. É uma junção perfeita, e acho que Portugal devia aproveitar ainda mais isso.

Eu acho que está melhorando, temos o exemplo da Sanjo, não é? Que de repente eles abriram as portas ao design e aos designers. Mas eu acho que ainda falta um pouco de trabalho nesse sentido.

Eu acho que o país não me ajudou muito e pode parecer estranho o que eu vou dizer, mas às vezes Portugal não é o melhor amigo do português. As portas se abrem mais depressa para marcas estrangeiras do que para marcas portuguesas. Mais depressa se diz sim, a uma marca estrangeira do que para uma marca portuguesa. Então, nunca é um trabalho fácil.”

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Como surgiu esse encontro entre Alexandra Moura e Sanjo, e a oportunidade para fazerem uma colaboração?

alexandra Foi perfeita. A Sanjo estava com muita vontade de renascer e de renascer mais moderna, mais contemporânea. Eles queriam falar de design e não ser só um tênis que perdurou no tempo, mas foi sempre só aquilo. Eles tiveram necessidade de trazer um refresh ao próprio design dos tênis e foi maravilhoso, porque a Sanjo me deu total liberdade para criar as minhas loucuras. E eles tentaram realizar as ideias, umas mais fáceis de concretizar, outras mais difíceis.

Foi uma sinergia e parceria muito bonita, muito boa, porque não houve cortes do lado de ninguém. Quando eles me diziam: “Alexandra, aqui talvez temos que alterar porque a máquina…”, eu falava: “perfeito, vamos alterar, vamos trabalhar em conjunto, ver a melhor forma de contornar a situação”. Como eles e o próprio Vitor são tão loucos como eu, cada vez que eu soltava uma loucura, eles diziam: “bora”! E então conseguimos fazer coisas que de alguma forma, eu acho que foram diferenciadas e muito inovadoras, principalmente no que se faz em Portugal. Foi um casamento perfeito.

Essa foi a primeira colaboração em que exploramos o monograma da marca. Pela primeira vez o Vítor tinha conseguido ver a hipótese de imprimir na própria sola. Então foi o método perfeito porque queríamos um bloco de monograma no sneaker e conseguimos desenvolver. Essa foi a primeira collab

Aqui temos um lado mais experimental, com os buracos, que tem muito a ver com as desconstruções também da roupa. Nessa coleção criamos o conceito de colocar elementos que normalmente ficariam no interior do tênis, para o lado externo. Então as etiquetas vieram todas para fora, fizemos a desconstrução do próprio sneaker, como espumas, reforços no lado externo, e a língua virou ao contrário. Tinham imensos detalhes que iniciaram na primeira collab e que depois foram continuando nas collabs seguintes.

A Sanjo estava com muita vontade de renascer e de renascer mais moderna, mais contemporânea. Eles queriam falar de design e não ser só um tênis que perdurou no tempo, mas foi sempre só aquilo. Eles tiveram necessidade de trazer um refresh ao próprio design dos tênis e foi maravilhoso, porque a Sanjo me deu total liberdade para criar as minhas loucuras.”

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E porque de todas as silhuetas da Sanjo, você escolheu o K100 para a colaboração?

alexandra Porque é um dos tênis mais clássicos da Sanjo. Uma coisa que nós tentamos muito trabalhar na marca são itens tradicionais. Neste caso, é original de Portugal e desde criança eu me lembro do K100, não  como um tênis da Sanjo, mas só como o K100, e para mim essa era a definição da marca. Não fazia sentido tentar inovar uma nova forma ou sola, e por isso eu quis me agarrar no K100, porque era o ícone da marca Sanjo. Não tem ninguém em Portugal que não saiba o que é esta silhueta da Sanjo. Minha ideia foi então desconstruir – sem tirar a identidade da Sanjo, mas desconstruindo com detalhes e características que também são da marca Alexandra Moura, e juntando a silhueta com essa desconstrução depois nos detalhes.

Como estávamos fazendo uma parceria, era importante ter o DNA da marca Alexandra Moura, mas também o DNA da Sanjo, e as duas juntas criarem um produto novo. Portanto, eu não podia alterar totalmente a forma, porque ela é icônica na Sanjo. Mas pude trazer outras camadas e outros detalhes que a Sanjo nunca teve.

Minha ideia foi então desconstruir – sem tirar a identidade da Sanjo, mas desconstruindo com detalhes e características que também são da marca Alexandra Moura, e juntando a silhueta com essa desconstrução depois nos detalhes.”

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Com essas criações, o que você espera que as pessoas entendam que é a sua marca?

alexandra Espero que entendam o que é trabalhar um design autoral. Uma coisa é quando nós temos os modelos mais massificados, como os da Nike, Vans, New Balance, da adidas. Quando entra o protagonista, o designer de moda, eu espero que as pessoas entendam que nós viemos dar algo a mais ao modelo, algo que seja diferenciador do que se vê no resto do mercado. Porque para mim, como designer, não fazia sentido eu agarrar na Sanjo, por exemplo, e simplesmente mudar a cor ou só mudar o material. Eu tinha que acrescentar qualquer coisa, porque sinto que existe este tipo de parceria. É isso que eu quero que as pessoas entendam, que nós trazemos um valor agregado ao produto e mais diferente que provavelmente não encontram aí nas massas, que é algo especial e que pertence àquela marca de tênis e àquela marca de moda.

E é por isso que é um produto especial. E eu acho que isto é o que é mais valioso nas colaborações com designers de moda, assim como com músicos ou o que for. Nós trazemos uma ideia diferente, uma desconstrução, um conceito. Isto foi muito pensado com ambas as partes, nós e neste caso, a Sanjo. E isso comunica mais do que se fosse um tênis convencional.

Quando entra o protagonista, o designer de moda, eu espero que as pessoas entendam que nós viemos dar algo a mais ao modelo, algo que seja diferenciador do que se vê no resto do mercado.”

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Por que para essa colaboração, você optou por criar tênis preto e branco?

alexandra Porque são as cores que acompanham a marca Alexandra Moura desde sempre. Se tenho dois pares de tênis pretos é muito, tenho estes e uns Yeezys. O branco porque é uma paixão que eu tenho de tênis brancos. Adoro porque eu tenho aquele fetiche de quem viveu os anos 90, com o All Star branco, todo sujo e arrebentado. Eu adoro quando um tênis branco já está com muita personalidade e com muito uso. Eu sei que isso hoje, na nova geração, é quase blasfêmia (risos). Eu vejo pelo meu filho e até mesmo pelo meu marido, que o tênis tem que estar super impecável e limpinho. Eu não. Eu sou a que gosta dele todo esfrangalhado e todo sujo de muito uso. Portanto eu tinha que ter o tênis branco, e o preto, porque é a cor da marca.

Eu sempre trabalhei, apesar de ter muita cor, eu tenho sempre blocos de preto. Eu me visto praticamente sempre toda de preto. É aquela cor que eu não consigo me desconectar dela. E também foi uma forma de trazer essa personalidade da marca ao tênis, como a marca trabalha tanto estas duas cores. Eu quis também que tivesse um lado mais minimal, mais conceitual ao nível da cor, porque o tênis já ia ter muita informação em outros níveis. E assim é uma coisa mais crua.

O branco porque é uma paixão que eu tenho de tênis brancos. Adoro porque eu tenho aquele fetiche de quem viveu os anos 90, com o All Star branco, todo sujo e arrebentado. Eu adoro quando um tênis branco já está com muita personalidade e com muito uso. Eu sei que isso hoje, na nova geração, é quase blasfêmia (risos).”

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Você tem uma coleção bem interessante de tênis. Quais são as suas silhuetas preferidas?

alexandra Eu tenho várias, seja da adidas, seja na Nike. Tem grandes silhuetas e collabs que eu adoro. Por exemplo, eu tenho o Monarch rosa da Martine Rose com a Nike, que tem aquele visual mais chunky, todo deformado. Gosto muito da colaboração da Supreme com o Nike Shox. Gosto muito daquele lado grotesco e primordial, parece quase uma coisa de homem das cavernas, o Yeezy 550. Essas collabs são um tesouro. Tem tantas colaborações incríveis, e todas elas trazem, por ter o designer por trás, um design autoral, um valor agregado incrível ao tênis – se não fosse a intervenção da Martine Rose, seria apenas mais um Nike Monarch.

Já tive muitas fases de tênis, já tive a fase do All Star, e agora estou namorando muito os New Balances também. A colaboração do Junya Watanabe com a New Balance também é linda. Se pudesse eu teria uma casa só para os tênis. Aliás, eles já ocupam bastante espaço (risos). A nossa casa já está super invadida porque meu marido é viciado em tênis também, e agora tenho outro viciado de 15 anos, meu filho, que tá na fase dos Nike TN. A verdade é que nós todos somos totalmente viciados em tênis (risos).

Antes da entrevista estávamos falando sobre como todo tênis que é icônico, ele surgiu em um momento em que alguém, seja de dentro ou fora da marca, aceitou tomar um risco, fazer alguma coisa fora do que seria o padrão. Se você não tomar riscos, vai continuar fazendo tudo igual. Será que é isso que está faltando hoje em dia?

alexandra Eu acho que em Portugal ainda há muito medo de correr o risco e aceitar. Os industriais têm muito medo de arriscar, preferem fazer aquilo que é seguro, menores danos, ganham mais dinheiro. Mas também não saem daquilo. E eu acho que a Sanjo com estas parcerias já começaram a elevar o nível do design. E isso é muito bom.  Eu adoraria que esses tênis tivessem ido pra frente. Mas eles ainda têm muito medo. Na época eu e o Vitor falávamos para o Helder, o dono da Sanjo na época,  “bora, bora”, mas a resposta foi “o mercado não tá preparado, não”. E foi engraçado que nós fizemos isto e passado uns meses, sai a Off White com a Nike com os buracos.

Alexandra Moura x Sanjo K100
Dona: Alexandra Moura
Ano do lançamento do tênis: 2020
Fotos: Kickstory
Color Grading: Julio Nery

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