
Fechamos nosso tour pela Europa em Milão, com a Giada e Elisa, fundadoras do projeto In Her Kicks.
Em uma cena de tênis ainda muito masculina, elas criaram um espaço essencial para dar voz às mulheres que vivem e respiram a cultura. Conversamos sobre suas trajetórias criativas, a paixão delas por tênis que começou desde pequenas e a importância de construir comunidades que representam de verdade quem faz parte delas.
Foi muito interessante ver como mesmo em outro país, existe muito das mesmas questões que já ouvimos por aqui. Mas mesmo assim, Giada e a Elisa transformaram suas experiências em um movimento que conecta mulheres em toda a Itália. Uma forma de mostrar que os tênis são sobre identidade, memória e expressão.
Giada: Meu nome é Giada. Sou arquiteta e designer gráfica de Pádua. No momento moro em Milão, vim para cá há seis anos para trabalhar e estudar. Sou co-fundadora do In Her Kicks ao lado da Elisa, desde fevereiro de 2021.
Elisa: Eu sou a Elisa, fotógrafa e editora de conteúdo digital. E eu moro aqui em Milão desde 2012.


Vocês duas são de áreas criativas. Como começou a relação de vocês com fotografia, arte e design?
Giada Eu me apaixonei pela arte quando era muito pequena, e quando chegou a hora, escolhi estudar arte. Quando me mudei para Milão, comecei a trabalhar na indústria da moda, já que arte, moda e design são meus principais campos de interesse.
Elisa Sempre amei artes e criatividade no geral, desde criança também. Me formei em Design de Interiores.


E o que fez vocês se mudarem para Milão?
Elisa A região central da Itália é muito provinciana. Ou seja, não existe muito interesse em coisas criativas e a cabeça das pessoas é muito fechada para novidades. Além disso, não tem tantas oportunidades de trabalho na nossa área.
Giada A maior parte do país é voltada para o turismo ou para trabalhos ligados à indústria do turismo. Aqui no norte é parecido, mas em Milão, especificamente, há muitas empresas e oportunidades no campo criativo. Então é em Milão que temos que estar.

Como vocês foram introduzidas a esse universo dos tênis e como se conheceram?
Giada A gente se conheceu aqui, em um evento de tênis. Na época tinha poucas mulheres na cena de sneakers em Milão.
Elisa Eu amo tudo que envolve tênis desde os cinco ou seis anos de idade. Também tenho muitos amigos homens da universidade que curtem também, então para mim foi muito natural fazer parte disso.
Giada Para mim, foi a conexão entre streetwear e tênis que me fez entrar e participar dessa comunidade. Trabalhei para uma marca de streetwear aqui em Milão e, quando ia nos eventos, eu conhecia pessoas, fazia networking sobre tênis e então comecei a amar essa cultura.
Crescendo em Pádua, eu não tinha amigos interessados em moda. É uma cidade muito histórica e culturalmente rica, mas, ao mesmo tempo, as pessoas têm a mente muito fechada e usam e compram sempre os mesmos tênis todo ano: adidas Stan Smith ou Nike Air Force 1. Então, no geral, as pessoas também têm a mente fechada para streetwear.
Quando jovem, eu tava sempre procurando um tênis especial nas lojas, mas meus pais não queriam comprar porque era caro, e isso me frustrava demais. Mas quando finalmente pude comprar o tênis com meu próprio dinheiro, comecei a colecionar e ter meu próprio guarda-roupa, finalmente (risos).
“foi a conexão entre streetwear e tênis que me fez entrar e participar dessa comunidade. Trabalhei para uma marca de streetwear aqui em Milão e, quando ia nos eventos, eu conhecia pessoas, fazia networking sobre tênis e então comecei a amar essa cultura.”


Vocês lembram quando começou essa paixão de vocês por tênis?
Giada Sim! O primeiro tênis que realmente chamou minha atenção foi o Nike Air Max 97 ‘Silver Bullet’. Um amigo na escola que tinha um. Lembro de pedir para minha mãe comprar, mas ela não quis porque era muito caro. Mas finalmente consegui o meu este ano!
Elisa Engraçado, porque eu também queria esse Air Max. Tenho uma família grande, todos os meus primos são mais velhos e quase todos tinham o Nike Air Max 97 prateado e o dourado. Sempre quis um, mas nunca tive a oportunidade, mas também consegui o meu esse ano! Também amo o Onitsuka Tiger Mexico 66, o preto com listras amarelas. Tive um e usei todos os dias até ele se desintegrar (risos).
Giada Acho engraçado que o Air Max 97 ‘Silver’ e o Air Jordan 1 ‘Bred’ são os únicos dois tênis que nós duas amamos em comum; fora isso, temos gostos completamente diferentes. Eu gosto mais dos tênis “estranhos”, com estruturas e silhuetas diferentes, que parecem mais uma peça de design do que um tênis para ser usado. Gosto quando eles têm conexões com arte e quando me lembram estruturas arquitetônicas, se é que isso faz sentido (risos).
Elisa E eu gosto mais dos clássicos e retrôs. Eu me conecto muito com as histórias, sempre trazem muitas memórias – lembro exatamente o que tava fazendo quando me chamaram atenção pela primeira vez, a primeira vez que vi na rua ou na TV. É por isso que esses clássicos ressoam tanto comigo.
“Eu gosto mais dos tênis “estranhos”, com estruturas e silhuetas diferentes, que parecem mais uma peça de design do que um tênis para ser usado. Gosto quando eles têm conexões com arte e quando me lembram estruturas arquitetônicas, se é que isso faz sentido (risos).”


“eu gosto mais dos clássicos e retrôs. Eu me conecto muito com as histórias, sempre trazem muitas memórias – lembro exatamente o que tava fazendo quando me chamaram atenção pela primeira vez, a primeira vez que vi na rua ou na TV. É por isso que esses clássicos ressoam tanto comigo.”
Vocês duas têm formações criativas e se uniram para criar esse projeto incrível. O que é o In Her Kicks?
Elisa Não existia, na Itália, um projeto como o In Her Kicks, onde duas mulheres falassem sobre tênis na perspectiva feminina, sobre designers mulheres ou sobre o universo sneaker feminino. A comunidade existia, éramos poucas, mas não havia um espaço para reunir todas. Então decidimos criar esse lugar.
Giada Na Europa tem muitas comunidades para mulheres – por exemplo, em Londres tem o Sneaker Sisterhood. E aqui na Itália faltava algo desse tipo. Quando a gente ia nos eventos em Milão, sentíamos que as marcas não se importavam em se conectar com as mulheres, e dar espaço a elas para falar e participar. Só queriam falar sobre a comunidade masculina. Então decidimos criar um espaço para compartilhar nossos pensamentos e sensibilidade, sobre nossa paixão por tênis.
Elisa Fazendo isso, a gente se surpreendeu ao descobrir que existem muitas mulheres na Itália – não só em Milão – mas no país todo, com o mesmo interesse por tênis que a gente.
“Fazendo isso, a gente se surpreendeu ao descobrir que existem muitas mulheres na Itália – não só em Milão – mas no país todo, com o mesmo interesse por tênis que a gente.”


(Thais) Falando de um ponto de vista pessoal, infelizmente sentimos o mesmo aqui em São Paulo. Fazemos o Kickstory desde 2016, e 90% dos eventos de tênis e ativações de marcas eram voltados para homens. Sabemos que há muitas mulheres que amam essa cultura, consomem e querem se envolver mais – mas é tão centrado nos homens que pode ser um lugar muito desconfortável de estar. E quando surgem projetos como o In Her Kicks, vocês dão espaço e voz para muitas mulheres.
Giada Quando você tá em um evento ou reunião com outros “sneakerheads” homens, eles dizem que você não é suficiente ou que não sabe do que tá falando. Antes do In Her Kicks, eu e Elisa lutávamos todos os dias pelo nosso espaço pessoal nessa comunidade, então quando começamos o projeto foi mais fácil apresentá-lo ao mundo dos tênis, inclusive para a comunidade masculina. Temos muitos seguidores homens, eles participam dos nossos encontros e atividades.
Elisa As marcas, no geral, gostam de falar sobre igualdade de gênero, então já fizemos muitas palestras em eventos. Mas é muito difícil trabalhar com elas aqui na Itália, porque em outros países da Europa elas estão mais interessadas na visão, na mensagem, no seu trabalho, e etc. Mas aqui, só querem saber de números – tudo é sobre quantidade de seguidores.

Qual a importância de uma marca de tênis entrar em contato para trabalhar com vocês?
Giada É muito importante porque aqui na Itália, quando as pessoas veem que você é validada por marcas, elas passam a te apoiar rapidinho. Mas se percebem que você não está “dentro”, não te seguem. Então foi muito importante para o projeto trabalhar com grandes marcas.
Elisa Como criativas, queremos dar às marcas nossa visão, porque queremos mais igualdade e inclusão – e não só por marketing. Muitas vezes sentimos que usam a pauta da igualdade de gênero para vender tênis, mas na prática é a mesma coisa de sempre.
Giada Óbvio, tem muitas marcas que se interessam por nós e pelo que temos a dizer sobre a cultura do tênis, ou que escutam nosso ponto de vista; mas tem outras que simplesmente não têm interesse algum.
“Como criativas, queremos dar às marcas nossa visão, porque queremos mais igualdade e inclusão – e não só por marketing. Muitas vezes sentimos que usam a pauta da igualdade de gênero para vender tênis, mas na prática é a mesma coisa de sempre.”


Elisa, entre todos os seus tênis por que você escolheu o Air Jordan IV ‘Bred’ para seu Kickstory?
Elisa Em 2018, eu trabalhava em uma revista de tênis e streetwear. Fizemos um editorial para esse tênis, para a Jordan Brand. Eu era a fotógrafa e também a entrevistadora. Foi o primeiro ano em que o tênis foi lançado em tamanhos menores – do infantil ao feminino e masculino – o retrô de verdade, com o “Nike Air” e não o Jumpman no calcanhar. Esse tênis me levou a Paris para o torneio de basquete de rua, Quai 54, onde conheci e fotografei o Michael Jordan, todo o time da Jordan e o Spike Lee. Foi muito especial e por isso gosto tanto dele. Sempre amei a silhueta do IV, é meu Jordan favorito.
“Esse tênis me levou a Paris para o torneio de basquete de rua, Quai 54, onde conheci e fotografei o Michael Jordan, todo o time da Jordan e o Spike Lee. Foi muito especial e por isso gosto tanto dele. Sempre amei a silhueta do IV, é meu Jordan favorito.”


E Giada, qual é a sua história com o A-Cold-Wall x Nike Air Zoom Vomero 5?
Giada Essa é a colaboração entre a Nike e a A-Cold-Wall* do Samuel Ross. Amo esse tênis porque é a representação perfeita do meu amor por tênis – para mim, é uma peça de design e me lembra o museu MAXXI, em Roma, que é meu favorito na Itália. Amo arte, design e arquitetura, então gosto muito dele principalmente pela silhueta e pelos materiais. O interessante é que ele foi feito para se desgastar com o tempo. Amo esse tipo de efemeridade.
Normalmente, a maioria dos tênis de hoje tem um revestimento de TPU para proteção – e esse não tem. Mesmo sem usar, o tênis foi projetado para que o cabedal envelheça e se desgaste mais rápido que o normal. Amo esse projeto porque me lembra design, arquitetura e, de certa forma, a própria vida, porque foi feito para se deteriorar. Não sei por que, mas esse tênis me lembra muitas coisas. Sou apaixonada por ele.
“Normalmente, a maioria dos tênis de hoje tem um revestimento de TPU para proteção – e esse não tem. Mesmo sem usar, o tênis foi projetado para que o cabedal envelheça e se desgaste mais rápido que o normal. Amo esse projeto porque me lembra design, arquitetura e, de certa forma, a própria vida, porque foi feito para se deteriorar.”


Air Jordan IV ‘Bred’ e A-Cold-Wall x Nike Air Zoom Vomero 5
Donas: Giada e Elisa Scotti
Ano: 2023
Fotos: Kickstory