Essa semana abrimos as entrevistas de 2022 com a conversa muito legal que tivemos com o Rodrigo Kbça. Vindo do Rio Grande do Sul, ele foi atraído pelo senso de comunidade e acolhimento que encontrou no skate e em mais nenhuma outro lugar. Rodrigo passou de skatista profissional para profissional do skate e acabou descobrindo outras formas de fazer parte daquilo que tanto ama. Além de ser fotógrafo, ele passou por marcas como Qix, revista Tribo e CemporcentoSKATE e hoje trabalha na Vans como Team Manager da equipe de skate, surf e BMX.
Obviamente não pudemos deixar de falar sobre tênis, onde Rodrigo contou que a sua paixão pelo Vans Sk8 Hi é tanta que praticamente todos os seus tênis são Sk8 Hi.
O modelo escolhido para sua entrevista foi o Vans Sk8 Hi ‘Grosso Forever’, que para ele, representa o respeito e amizade que ele tinha por Jeff Grosso. Esse Vans foi lançado como homenagem ao apresentador do web series “Loveletters to Skateboarding”, historiador, porta-voz de um skate mais inclusivo, lenda do skate e seu amigo, que faleceu aos 51 anos em 2020. O tênis traz elementos clássicos da Vans e é uma releitura de um modelo usado por Grosso nos anos 80.
“Meu nome é Rodrigo Vargas de Lima, mas todo mundo me conhece por Kbça – eu tenho esse apelido desde os 7 anos, já to com 45. Faz bastante tempo (risos). Ando de skate desde 1987 e comecei a trabalhar com skate em 97. Já passei pela Qix, por outras marcas de skate, já trabalhei na Tribo e na CemporcentoSKATE – que são mídias de skate – e to desde 2016 na Vans, envolvido na parte de gerenciamento de equipe de skate, surf e bmx, ou redação e fotografia. Então fui meio que para um lado criativo do skate já que eu não consegui ser um puta skatista profissional.”
Você está há muito tempo inserido na cultura do skate. O que te atraiu, e fez você querer fazer parte dela?
Rodrigo A primeira vez que eu vi skate eu era muito criança e foi uma coisa que não me chamou atenção naquele momento. Mas quando fiz 11 anos eu ganhei o meu primeiro skate. Acho que foi aí que eu comecei a ver coisas diferentes, e ver uma galera diferente que andava de skate. Isso foi um problema porque a maioria dessa galera era mais velha que eu, então meus pais não queriam que eu andasse de skate, eles nem queriam me dar skate. Quem me deu foi a minha irmã e cunhado.
“Tem uma coisa que o Jeff Grosso fala muito: a galera do skate sempre foi estranha. A gente era os caras diferentes, que não eram aceitos pela maioria. E acho que é aí que eu entro. Eu não era uma criança comum, eu com 8 ou 9 anos gostava de ficar escutando música nas rádios e ficava gravando elas. Eu já fazia mixtape naquela época.”
Tem uma coisa que o Jeff Grosso fala muito: a galera do skate sempre foi estranha. A gente era os caras diferentes, que não eram aceitos pela maioria. E acho que é aí que eu entro. Eu não era uma criança comum, eu com 8 ou 9 anos gostava de ficar escutando música nas rádios e ficava gravando elas. Eu já fazia mixtape naquela época. Então eu não era uma criança comum dentro dos aspectos do que seria uma criança comum nos anos 80 – que era brincar de carrinho, de policial e ladrão e etc. Eu gostava de arte, de música, de ficar assistindo filmes, coisa que crianças não tinham paciência. Então foi no skate que eu me achei, e encontrei uma galera diferente que, ainda que o skate não fosse tão aberto como é hoje, me aceitou.
Do skate eu aprendi a cultura do “Faça Você Mesmo”, porque sempre dependeu de nós, skatistas, para termos as coisas. Aprendi a compartilhar e receber coisas compartilhadas. Então a cultura do skate, além de envolver música, arte, o próprio skate, as manobras, tem muita coisa de convivência e comunidade que são bem atrativas.
E quando tu é uma criança, que sei lá, mora na periferia ou mora numa cidade que não é grande, isso acaba sendo atrativo. Não que eu fosse um moleque pobre nem nada, eu tinha uma família relativamente bem financeiramente, mas essa união e comunidade era uma coisa que eu não encontrava nos outros meios e brincadeiras. Eu tentei tocar violão, fazer kung fu, tentei taekwondo, tentei fazer um monte de atividades e nada tinha esse poder de agregar do skate. Tudo era muito individual. E o skate ainda que individual, que é uma coisa que eu faço sozinho, ele tem um poder de agregar as pessoas e tá todo mundo junto, dando risada ou chorando junto.
Em algum momento você tentou seguir a trajetória de ser um skatista profissional?
RodrigoSim. Eu comecei a andar de skate em 87 e em 89 eu comecei a competir como iniciante. No começo dos anos 90 eu consegui um destaque como amador, tive bons pódios, fui ranqueado, sou gaúcho, então fui do ranking gaúcho top 10 por 2 ou 3 anos seguidos e, nessa época eu trabalhava e tinha patrocínio da Qix. Em 2000, cheguei pro meu patrão e falei “olha, é agora, tá na hora de eu passar pro profissional”, e ele falou “espera mais 1 ano”. Eu não quis esperar mais um ano e desencanei de competição, desencanei de tudo assim. Em 2002 eu já tava totalmente desencanado de ser skatista de campeonato. Eu participava de alguns, mas era fazendo coisas que não eram comuns em campeonatos. Eu tava mais preocupado com a música que eu ia andar, às vezes eu não dava nenhuma manobra, só ficava passeando na pista pra curtir.
Nesse ano, teve um campeonato ‘pro’ em Curitiba e todos os meus amigos tavam participando. Eu falei: quer saber de uma coisa, vou me inscrever como profissional. Em teoria eu sou um skatista profissional, mas eu nunca fui no sentido literal da palavra de receber um salário por andar de skate, de ter grana de patrocínio. Então foi fácil virar a chavinha do ego, porque o skate tem muito disso. Acho que o ego envolve a arte e o skate pra mim, é uma maneira de se manifestar criativamente, artisticamente. Eu consegui virar a chave, tipo “não dá mais esse caminho, vou fazer outras coisas”. Então eu me joguei nos projetos. Eu participei da criação do primeiro site de notícias de uma marca, depois trabalhei na revista Tribo durante 6 anos, colaborei com a Cemporcento, colaborei criativamente com marcas também. Por exemplo, o logo da Qix que vocês conhecem, o quadradinho, foi eu que desenhei no CorelDRAW, sem nem saber usar a ferramenta, eu fui mexendo e desenhando. O logo existe até hoje, eles não trocaram o símbolo da marca.
Existe uma trajetória e eu vi que esse era o caminho pra mim – ser um profissional do skate, não um skatista profissional. E é um caminho que tem dado certo.
Isso é muito legal. Existem tantas vertentes e possibilidades no skate, você pode se envolver e trabalhar com o que gosta de diversas maneiras.
RodrigoIsso é uma coisa que a gente tem que explicar pra molecada mais nova, porque ser um skatista profissional e ter relevância no mercado não é nem um pouquinho fácil. Às vezes não precisa ser campeão, pode ser o cara que se dá bem na cena underground mesmo, e mesmo assim não é fácil. Então é legal a molecada perceber que você pode aprender com skate – ele pode ensinar a fotografar, escrever, aprender de marketing, aprender de arte. Eu tenho um monte de amigos do skate que aprenderam a ser ilustradores e trabalham hoje com isso. Ou escrevendo, ou fotografando. O skate te leva para caminhos, basta a gente estar com a antena ligada para poder absorver, observar e aprender essas coisas também.
No podcast da FFW você menciona que foi o primeiro skatista profissional brasileiro a ser abertamente homossexual na cena do skate, em um capitulo do documentário do "Loveletters to skateboarding" com o Jeff Grosso. Na sua visão, qual foi a importância desse documentário para cena do skate?
RodrigoJá era um assunto que existia, principalmente nos Estados Unidos. Acho que o cara que abriu essas portas pro skate foi o Brian Anderson – ainda que houvesse outras caras, não tão famosas como ele, que já estavam se assumindo. Principalmente meninas, porque acho que se elas não tivessem dado esse primeiro passo, talvez os homens nunca tivessem coragem de fazer o mesmo. Já tinha um monte de skatistas mulheres, lésbicas assumidas, e nenhum cara tinha coragem de ir lá e falar “eu sou”. Quando foi feito, a mídia encarou como piada.
Falando do meu ponto pessoal, da minha vida, foi libertador. Porque todos os meus amigos sabiam, mas era foda, às vezes eu ver uma matéria sobre homofobia e ter medo de compartilhar, tipo “as pessoas vão ligar os pontos e vão saber que eu sou gay”. Então demorei para ligar o foda-se. E daí? O que elas vão fazer? Talvez eu tenha escolhido o pior momento, acho que politicamente a gente vive numa época onde as minorias estão acuadas. A gente tem um presidente que luta contra a comunidade LGBTQIA +, que fala contra isso. E os apoiadores dele, que não são poucos também lutam contra isso. Então talvez tenha sido o momento que eu mais me coloquei em risco porque eu estar falando disso abertamente abertamente, pode ser eu leve uma surra na rua de um cara que não goste de viado. Mas ao mesmo tempo, eu entendo que foi importante esse momento para que muitas pessoas pudessem ficar mais tranquilas com elas mesmas.
“Eu recebo muitas mensagens, de muitos skatistas gays falando “pô, nunca conversei com ninguém, ninguém nunca suspeitou, nunca falei com amigo, ou pai, ou mãe” e caras com 40 anos. Então acho que foi bom pra mim porque eu aprendi a ligar o foda-se e me libertar, mas foi bom principalmente que eu consegui fazer com que muitas pessoas vissem que não é uma coisa de outro mundo ser gay skatista. Não é um tabu.”
RodrigoEu recebo muitas mensagens, de muitos skatistas gays falando “pô, nunca conversei com ninguém, ninguém nunca suspeitou, nunca falei com amigo, ou pai, ou mãe” e caras com 40 anos. Então acho que foi bom pra mim porque eu aprendi a ligar o foda-se e me libertar, mas foi bom principalmente que eu consegui fazer com que muitas pessoas vissem que não é uma coisa de outro mundo ser gay skatista. Não é um tabu. Foi. Algumas parcelas do skate ainda não aceitam bem, problema deles. O que eles pensam de mim, não é problema meu, é problema deles. Eu continuo sendo o mesmo Kbça que era antes de me assumir publicamente gay. O bom é que eu estava num espaço muito seguro. Eu tava num momento legal de amigos, trabalho, estar na Vans foi importante também porque eu entrei lá com todos sabendo que eu sou gay, então eu tava em um espaço seguro, sabendo que ali não ia ter problemas.
Até eu digo, nem todo mundo vê minha trajetória e eu entendo que forçar a se assumir não seria correto. Pra mim foi muito melhor, mas cada pessoa tem seu histórico, sua vivência, até geolocalização. Tem teu momento, onde tu mora. Talvez se eu estivesse morando no Rio Grande do Sul até hoje eu não teria dado esse passo, eu estaria vivendo uma vida dupla até hoje. Porque lá, naquela época eu era muito cobrado. “Ah, por que não fica com mina? Porque tu não sai?”. Eu não saía, não ia pra balada, nada, justamente pra evitar esse tipo de coisa. Então eu perdi um tempo de vida social importante. Poderia tá curtindo uma balada, estar bebendo, fazendo um monte de coisa, mas pô, eu não vou pra um lugar onde eu vou estar constantemente sendo cobrado por algo que não vai acontecer. Então eu me assumi no momento certo pra mim.
E eu sei que eu tenho alguns privilégios. Primeiro que eu sou branco, segundo que eu não sou afeminado e terceiro que eu tenho um cargo importante dentro de uma marca de skate muito relevante, que é a Vans. Então eu sei que isso me protege de algumas coisas. Eu fiquei preparado para receber uma enxurrada de mensagens negativas quando eu assumi. Eu tive que me preparar psicologicamente pra isso. Eu fiz um texto que me levou uma semana pra escrever com cuidado, pensando nas palavras. E no meio desse tempo eu tive que estar preparado para ser atacado. Mas olha, eu recebi um ataque, anônimo, até eu descobrir quem era depois, que não foi tão anônimo assim. Então eu tenho plena consciência que esses 3 fatores: ser branco, não ser afeminado e estar na Vans, me protegeram. Muita gente se aproxima de mim por interesse pra ganhar tênis, pra tentar ser patrocinado ou pra tentar patrocínio em um evento. Então isso me protege, mas eu também quero acreditar que as pessoas estão mudando e parando de se preocupar com o umbigo alheio. A gente tem que tentar ser um pouco positivo também.
No "Loveletters to Skateboarding" muitos comentam como o skate abraçou os "outsiders", os que não se encaixavam em certos moldes da sociedade. Mas triste ver que por muito tempo a comunidade LGBTQIA + não foi abraçada pelo skate.
RodrigoO skate é inclusivo naquelas. Tudo tem que seguir padrões. Eu acho que hoje a gente vive um momento bem legal do skate que é mais aberto. Falando de tênis especificamente, pode ter o cara que gosta do slip on vulcanizado e pode ter o cara que gosta daquela bota lunar que é de skate, e todo mundo vai conviver bem. Então acho que hoje o skate é bem mais democrático e aberto do que era antes. Sempre foi uma comunidade que abraçou as diferenças, faltava quebrar essas barreiras e eu acho que tá abraçando sim. Eu vejo que os caras com 20 anos pra menos já tem outra mentalidade. Mas se fosse na minha época e eu falasse ou suspeitassem que eu sou gay, as pessoas diretamente não andariam comigo.
E você vê diferença na "aceitação'' da cena de skate do Brasil para outros países?
RodrigoEu acho que tem mais a ver com a cultura do país do que com a cena do skate. Na cultura do americano e europeu eles são menos preocupados com o que os outros estão fazendo, já o brasileiro tem essa coisa da fofoca. Quando eu mudei pra São Paulo em 2002, na minha cabeça eu poderia ser um cara anônimo e fazer o que eu queria. Só que São Paulo, assim como qualquer outro lugar, é muito pequeno. Teve um dia que eu estava com um namorado no McDonald ‘s num horário super “X”, e eu encontrei um skatista – que hoje anda pra Vans, inclusive – e quase infartei porque eu fiquei mó encanado. Muito tempo depois eu falei com ele “pô aquela vez, tu lembra?”. Ele lembrava, mas nem se deu conta de nada. Era muito mais da minha cabeça de não ser descoberto, o que eles vão falar. Hoje em dia eu to bem mais foda-se para o que vão falar. Eu quero mais é ajudar um monte de gente e quanto mais eu puder ajudar, melhor. Inclusive no final de semana do dia 21/11, rolou o primeiro encontro de skatistas LGBTQIA + de São Paulo. É uma parada legal, a gente nunca pensou que isso ia acontecer.
Hoje em dia você trabalha na Vans Brasil. Qual é o seu papel lá dentro?
RodrigoEu entrei na Vans em 2016 por escolha da própria equipe de skate. Em 2015 eles se reuniram para decidir quem ia ser o team manager de skate e eu fui o escolhido. Depois acabei subindo pra cuidar da galera de BMX que não tinha na época, e a de surf também. Fora tomar conta de 21 pessoas, que é a equipe atual da Vans, eu também ajudo em tudo que diz respeito a eventos de skate, como uma espécie de conselheiro. Não tenho a palavra final, mas eu defino se o evento é legal e se a Vans pode entrar e participar. Então tudo que tem a ver com action sports da Vans eu dou alguns pitacos. Eu to lá no marketing todos os dias, ajudando em todos os lados do marketing.
É muito doido trabalhar lá. Eu já tinha respeito pela Vans, só que hoje eu tenho admiração, de verdade, tanto que eu tenho side stripe tatuado. Como eles me acolheram, me aceitaram, e a gente vê que é de coração, foi muito forte pra mim. Eu aprendi muita coisa lá porque eu tinha minha bagagem toda de skate, mas sempre fui um cara que não me enquadrava no mundo corporativo. E a Vans me ajudou a entender práticas corporativas. E mais que isso, pra mim, Vans é uma família, independente de eu estar empregado trabalhando lá. Mesmo quando sair, eu acho que vou continuar tendo contato com as pessoas aqui no Brasil, ou lá na global.
Agora falando sobre o que todos nós amamos por aqui – você lembra quando começou a sua paixão por tênis?
RodrigoEu tenho algumas lembranças bem específicas de tênis. Primeiro foi o M2000, que foi o primeiro de marca que eu tive – ainda que eu não soubesse que era um bootleg de Reebok. Depois tive o Pony MVP. Lembro que na época o Airwalk era inalcançável, eu nunca conseguia ter dinheiro pra comprar. Lembro também, no início dos anos 90, quando cortei o primeiro cano de tênis – eu tinha um Nike zerado, minha mãe queria me matar (risos). Nessa virada dos anos 90 o skate mudou completamente, tudo que era daora em 89 e 90, em 91 e 92 já não era mais. Era feio andar de tênis cano alto então eu peguei um Nike e passei a tesoura (risos).
Eu sempre quis ter um Sk8-Hi, ainda que eu não soubesse o que era Sk8-Hi. A Vans sempre me marcou mesmo antes de eu saber o que era necessariamente a Vans, porque eu via aqueles tênis de skate das empresas nacionais achando que era isso. Tem até um documentário que diz que tem gente que achava que a Vans era uma cópia da Mad Rats (risos). Hoje eu tenho uns 75 pares de tênis, a grande maioria é Sk8-Hi, é realmente a minha silhueta dos sonhos. E pra andar de skate eu só pego Sk8-Hi, pra mim é o tênis mais daora que têm.
E por que de todos os seus tênis, você escolheu o Vans Sk8 Hi 'Grosso Forever' para o Kickstory?"
RodrigoEu acho que tem uma ligação emocional e de amizade com o Jeff. A primeira vez que eu o vi foi em um vídeo chamado Streets on Fire da Santa Cruz, e o cara já me chamou atenção. Eu fui conhecê-lo pessoalmente em 2013 no campeonato Red Bull Skate Generation e eu nem imaginava trabalhar na Vans nessa época.
“Todo mundo tem muitos dedos ao falar do skate old school com pessoas mais velhas, e assim, eu admiro, claro, a velha guarda do skate, mas acho que se tornou uma falsa nostalgia de que naquela época era melhor. Não era. Era difícil ter peça de skate, era difícil ter tênis de skate, era difícil ter informação, era difícil um monte de coisa.”
RodrigoTodo mundo tem muitos dedos ao falar do skate old school com pessoas mais velhas, e assim, eu admiro, claro, a velha guarda do skate, mas acho que se tornou uma falsa nostalgia de que naquela época era melhor. Não era. Era difícil ter peça de skate, era difícil ter tênis de skate, era difícil ter informação, era difícil um monte de coisa. E eu cheguei no Jeff e comecei a conversar sobre esse meu ponto de vista. Daí ele me olhou assim e falou “sabe que eu penso a mesma coisa? Eu acho mó idiota os caras falarem que na minha época era muito melhor. Não era melhor. Eu tinha problema com grana, com droga, eu tinha um monte de problema. O que era melhor?”. E bateu muito o santo.
Daí depois eu comecei a trabalhar na Vans e ele era o cara que sempre que eu encontrava, eu fazia questão de tirar foto, ainda que não tivesse muita intimidade. E aí cada vez que eu encontrava ele, a gente conversava um pouco mais. Em 2019 ele veio pra gravar um ‘Love Letter’ sobre o Brasil e eu fiquei encarregado de acompanhar ele e a produção nessa gravação. Foi aí que a relação se estreitou mesmo. Depois disso, toda vez que a gente se encontrava ele parava o que tava fazendo para me abraçar, ele sempre fazia questão de dizer o quanto eu era importante “pô, te amo, tu é um cara foda”. E pra uma lenda vim falar isso pra um cara que nem eu, tipo, porra… Sabe? Então virou uma relação muito foda de respeito e admiração. Eu comecei a entender mais ele, os problemas que ele teve, as coisas da vida dele. E foi foda saber que ele foi adotado pela Vans, talvez se ele não tivesse a Vans na vida dele, ele tivesse despirocado, ficado muito louco e tivesse morrido antes.
Ele tinha me convidado pra participar do Love Letters sobre a comunidade LGBTQIA+ e eu recusei. Falei que não ia participar porque eu não estava preparado para isso, e eu queria falar primeiro para uma mídia brasileira. Só que na virada de março para abril de 2020 ele faleceu. Foi exatamente assim, na virada, tanto que, logo que saiu a notícia, começaram a me escrever perguntando se era trote, piada de primeiro de abril. E foi um baque, foi como se alguém da minha família tivesse morrido. E eu acabei topando participar do Loveletter To LGBTQ+.
Eu continuo com contato muito forte com os caras da produção da Love Letters que é o programa que o Grosso era o apresentador, mas que agora acabou. E no Loveletters de despedida do Jeff Grosso só 3 brasileiros dão depoimento no vídeo: Pedro Barros,Yndiara Asp e eu.
E quando saiu esse Sk8 Hi ‘Grosso Forever’ eu surtei na hora. Como é um quickstrike ele não iria vir pro Brasil. Só que era no meio da pandemia, ninguém podia ir pros Estados Unidos, não tinha como eu trazer.
“Além disso, eu não queria ganhar esse tênis, eu queria comprar porque todas as vendas seriam revertidas para o Oliver, filho dele, que ficou órfão. O Grosso virou uma silhueta de tênis – o Sk8 Mid recebeu o novo nome de Vans Grosso Mid, então royalty que o pai dele ganharia, vai pro Oliver.”
Eu fiz questão de comprar o tênis. Quando o Murilo Peres foi pros Estados Unidos por causa da seleção brasileira, falei “é agora”. Comprei e mandei para o hotel dele.
E aí o tênis virou xodó, ele tem alguns elementos super importantes da Vans, side stripe, checkerboard, enfim, e tem o nome do Jeff na lingueta “Grosso Forever”. Isso pra mim é o mais importante.
Se não me engano, esse é o tênis que ele tava usando na foto que saiu na capa da Thrasher. Eu sei que é uma reedição do tênis que ele usava muito em 84. Essa história é doida, porque os caras falaram que ele nunca ia sair na capa da Thrasher. Ele morreu e saiu na capa da revista. Fizeram uma homenagem póstuma pra ele.
E você acha que trabalhar em uma marca de tênis mudou de alguma forma a sua relação com tênis?
rodrigoEu acho que a partir do momento que tu começa a trabalhar em marcas de tênis, tu cria um péssimo hábito de vigiar o pé dos outros. Porque tu olha mesmo pra ver que marca a pessoa tá usando. Não tem a ver tanto com modelo, eu vejo a marca.
Eu passei a admirar mais as marcas que fazem em prol daquelas comunidades que elas defendem. Eu acho que se tem uma marca de tênis que ganha dinheiro com uma prática – seja com skate, surfe ou BMX, ela deveria devolver um pouco para a comunidade. Seja patrocinando, fazendo eventos, criando situações, então eu fiquei mais crítico com isso. A minha relação mudou nesse quesito. Talvez por saber o quanto que a gente põe de esforço pra devolver pro skate dentro da Vans. Eu acho que é um dever e uma obrigação de marcas que trabalham com skate devolver e investir no skate de volta, já foi o tempo de encarar o investimento no skate como um gasto. Eu já ouvi muito isso no mercado.
Tu não tá gastando, tu investe e tu devolve pro skate. Por exemplo, a Vans fez uma pista pública no parque Cândido Portinari, em São Paulo, que custou mó grana. Isso é devolver. Tem o Pedreirage, que é uma ação que a gente faz com a Black Media que envolve o Ricardo Dexter, que até teve uma colorway local dele. A gente já teve também a do Danilo do Rosário, que foi o cara que começou com essa história de ter colorway local mesmo, não de um skatista global brasileiro, mas skatista brasileiro de time regional. E o próximo é o Xapa que sai em Fevereiro, então vocês já tão com um spoiler que foi liberado pra dar (risos). É um Sk8 Hi bem bonito mesmo. E já estamos vendo a próxima ainda. Então acho que isso é devolver pra comunidade. Isso a gente tem feito a lição de casa.
Vans Sk8 Hi ‘Grosso Forever’
Dono: Rodrigo Kbça
Ano: 2021
Fotos: Kickstory