Suzanne Oude Hengel Suzanne

Suzanne Oude Hengel

Nike <br />
Flyknit Racer Nike
Flyknit Racer
03—07—2025 Fotos por Kickstory
Suzanne Oude Hengel
Entrevista Nº 200

Viajamos até Arnhem, na Holanda, para conhecer Suzanne Oude Hengel — designer, pesquisadora e fundadora do estúdio Knit in Motion.

Suzanne explora os limites do Knit (tricô) trabalhando diretamente com máquinas industriais para criar calçados e materiais inovadores. Seu estúdio funde as barreiras entre pesquisa de materiais e design de produto, sempre questionando como as coisas deveriam ser feitas, e não apenas repetindo o que já foi feito antes. Na entrevista, ela compartilha sua trajetória, sua conexão profunda com o processo e sua fascinação pelo universo do knit.

Para o seu Kickstory, ela escolheu o Nike Flyknit Racer — porque o modelo representa tudo o que ela valoriza: construção ousada, uso inteligente dos materiais e cores integradas à própria estrutura. Leve, sem costuras e funcional, ele mostra o que o knit pode realmente fazer quando forma e função caminham juntas.

“Meu nome é Suzanne Oude Hengel, moro em Arnhem, na Holanda. Sou fundadora do Knit in Motion (KiM), onde eu crio conceitos de calçados com foco no desenvolvimento de materiais e produtos em knit (tricô). É um trabalho muito manual, que faço ao lado de uma máquina de knit computadorizada/industrial”.

De onde surgiu seu interesse por design de produto, especificamente por materiais e desenvolvimento de materiais?

SuzanneEstudei Design de Produto na ArtEZ University of the Arts, em Arnhem, e sempre tive interesse no desenvolvimento de materiais — especificamente materiais que tivessem um propósito. Isso me fascinava. Entrei no mundo dos calçados por causa do produto em si: ele tem muitas restrições, um formato estranho, e permite integrar aspectos funcionais e realmente otimizar o processo de produção. E com o knit, tem muitas oportunidades — e muitos problemas que posso resolver.

“Entrei no mundo dos calçados por causa do produto em si: ele tem muitas restrições, um formato estranho, e permite integrar aspectos funcionais e realmente otimizar o processo de produção. E com o knit, tem muitas oportunidades — e muitos problemas que posso resolver.”

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O que você mais gosta em todo o processo de criar um knit? O que você está procurando ao experimentar com esses materiais?

SuzanneGosto do fato de poder criar meu próprio material e formas do zero. Basicamente, você pode criar um produto completo de uma vez só  — o que é muito legal. Além disso, acho o knit bastante versátil — você pode ir para várias direções e criar diferentes tipos de produtos. Eu realmente tento ultrapassar os limites e fazer coisas que normalmente o knit não faz.

Por que você decidiu abrir sua própria empresa em vez de seguir um caminho mais tradicional — como estágios ou um emprego em uma grande empresa?

SuzanneEu recebi várias ofertas de emprego assim que saí da faculdade. Todas eram voltadas para desenvolvimento de knit, mas ou eram muito técnicas ou não envolviam knit de nenhuma maneira. Eu queria fazer as duas coisas.

Quando me formei, aprendi como o knit funciona na indústria: como trabalhar com os técnicos e como eles traduzem suas ideias para a máquina. Mas eu queria ser a designer e a pessoa que opera a máquina — e eu não encontrava essa experiência nas ofertas de trabalho que recebia. Queria fazer do meu jeito, aprender o design e a geometria do knit, o lado técnico também, e não ser guiada pela forma como a indústria está estruturada. Então comecei a fazer estágios para aprender a operar as máquinas, fiz muitos treinamentos. Depois, trabalhei um tempo no Textile Museum, que é um lugar que desenvolve todo tipo de knit e tecidos; eu aprendi muito lá.

Um dia, a Timberland apareceu com uma ideia de projeto muito legal, e senti que era hora de gastar toda minha energia abrindo uma empresa, comprar minha própria máquina e realmente focar em trabalhar apenas para o estúdio. Sempre acreditei que as coisas deveriam ser feitas de um jeito diferente, e não queria simplesmente enviar tech packs (fichas técnicas) e receber os produtos prontos. Acredito muito em estar ao lado da máquina, experimentando, ultrapassando limites e considerando e analisando os erros que um técnico poderia ver como um erro e jogar fora.

Sinceramente, estou muito feliz por ter feito desse jeito. Foi muito verdadeiro. Eu teria perdido uma oportunidade e não estaria realmente feliz se tivesse aceitado um emprego na Nike ou em outra grande empresa. Eu acho que escolhi o caminho mais difícil — aprender como o knit funciona e como operar uma máquina ao mesmo tempo em que montava uma empresa. Mas pelo menos posso fazer do meu jeito, e isso é muito legal. É muito gratificante poder deixar a sua marca e realmente ser fiel a si mesma.

Antes de trabalhar com calçados, você já tinha interesse por tênis?

SuzanneSim e não (risos). Não sou uma sneakerhead nem nada assim, mas gosto de tênis e calçados legais. Tenho interesse, mas não ficaria horas numa fila por um lançamento. Acompanho o mercado e sei mais ou menos o que está rolando, mas não sou uma fã hardcore de tênis. Sou mais uma nerd do processo de produção, de como as coisas são feitas, quais são as inovações… Esse tipo de coisa me interessa mais.

Hoje você trabalha com grandes marcas do mercado de calçados. Como é esse processo e que tipo de trabalho você faz para elas?

SuzanneMuitas vezes, elas me procuram com perguntas ou algo que querem explorar — tipo, uma estrutura de knit, uso de cores, ou só minha visão sobre os produtos deles. Normalmente, quando me mandam um tech pack, eu falo “eu não sou a pessoa certa pra isso, preciso trabalhar ao lado da máquina, não tem outro jeito”. Então sempre deixo claro como quero trabalhar.

O que eu faço para as empresas pode variar bastante. Pode ir desde o conceito até o produto final, ou às vezes é apenas uma estrutura que eles gostaram muito e eu desenvolvo especificamente para eles. Muitas vezes é um processo colaborativo, e eu realmente acredito em trabalhar bem de perto com as equipes e com a própria empresa. Acho que trago uma nova perspectiva e ajudo a quebrar um pouco o jeito de fazer as coisas, mostrando outros caminhos. Pra mim também é um aprendizado, porque nunca trabalhei dentro de uma empresa. Aprendo muito — vejo como as coisas são feitas, como as empresas maiores operam e por que fazem as coisas de determinada forma.

O knit é uma grande inovação nos tênis de performance já faz um tempo. Você tem interesse em se aprofundar mais nessa área?

SuzanneCom certeza eu gostaria de trabalhar mais com performance! Muitas vezes os materiais que desenvolvo não são testados para performance. Eu até conheço o comportamento deles, mas não tem testes que validem se são aplicáveis especificamente ao esporte. Isso significa que, geralmente, trabalho mais com projetos lifestyle do que performance. Mas tenho muita vontade de me aprofundar em calçados de performance. No momento, o que mais me atrai são cores, texturas e esses tipos de elementos.

Tem alguma parte do processo de criar e trabalhar com essas marcas de calçados que você mais gosta?

SuzanneGosto tanto de knit quanto de cor, e, pra ser sincera, não consigo pensar neles separadamente. Quando estou criando um knit, já integro a cor para destacar o comportamento do material, e isso faz parte do desenvolvimento do produto. É aí que entra a vantagem do meu conhecimento: enquanto trabalho ao lado da máquina, ainda sou designer, então eu fico muito empolgada quando faço alguma combinação de cores legal, e consigo tirar da máquina uma amostra da qual eu me apaixono.
É praticamente forma e função juntos. Para quem não sabe exatamente o que eu faço ou como eu trabalho, pode parecer que é só “cores legais” ou um “produto lifestyle”. Mas existe muito mais profundidade e pesquisa por trás disso do que só um aspecto visual bonito. Às vezes eu sinto que o meu trabalho não é levado a sério como pesquisa, justamente por ser muito bonito em vez de técnico ou monocromático.

“Para quem não sabe exatamente o que eu faço ou como eu trabalho, pode parecer que é só “cores legais” ou um “produto lifestyle”. Mas existe muito mais profundidade e pesquisa por trás disso do que só um aspecto visual bonito. Às vezes eu sinto que o meu trabalho não é levado a sério como pesquisa, justamente por ser muito bonito em vez de técnico ou monocromático.”

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E por que entre todos os tênis que você tem e projetos que já trabalhou, você escolheu falar do seu Nike Flyknit Racer para o Kickstory?

SuzanneDesde o lançamento original do Flyknit Racer, eu corro pra comprar um par sempre que tem um relançamento. Eu uso quase todos os dias. O design e a forma como ele é feito se complementam perfeitamente. É um produto muito bem pensado. A estética e o processo de fabricação são incríveis e muito bem integrados — por isso eu amo esse modelo. E também acho que ele é bastante ousado: o painel interno e o externo têm cores diferentes. É impressionante como a aplicação de cor é bem resolvida e como aparece através do knit.

Você pode ver aqui que tem dois tipos de fio diferentes que se juntam, resultando num padrão diferente. É muito bem feito. Além disso, são muito confortáveis, leves e perfeitos para o verão.

Teve algum tênis de knit que chamou sua atenção quando foi lançado, ou alguma marca fazendo algo interessante com design em knit?

SuzanneFoi com o lançamento desse tênis, o Flyknit Racer. Eu também gosto de alguns modelos com mais texturas, como alguns tênis de basquete da Nike, acho bem legal. Eu gosto quando eles tentam forçar os limites, como o que tem sido feito com a ISPA — isso é bem interessante. Mas, sinceramente, muitas vezes acho tudo muito seguro e comercial — poderíamos estar fazendo coisas muito mais ousadas. Ao mesmo tempo entendo que as marcar precisam manter os preços baixos, então acabam jogando mais seguro.

Foi com o lançamento desse tênis, o Flyknit Racer. Eu também gosto de alguns modelos com mais texturas, como alguns tênis de basquete da Nike, acho bem legal. Eu gosto quando eles tentam forçar os limites, como o que tem sido feito com a ISPA — isso é bem interessante. Mas, sinceramente, muitas vezes acho tudo muito seguro e comercial — poderíamos estar fazendo coisas muito mais ousadas. Ao mesmo tempo entendo que as marcar precisam manter os preços baixos, então acabam jogando mais seguro.

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Você tem vários pares e testes de diferentes knits aqui. Pode falar um pouco sobre eles?

SuzanneEsses são do meu trabalho de graduação e da pesquisa que eu fazia naquela época. Era para mostrar como você pode integrar cores e criar formas no próprio processo do knit. Essas peças saem quase prontas da máquina. Tudo foi feito à mão, em formatos diversos. Eu gostava muito dessas linhas integradas com cores e formas.

Por exemplo, tem uma ali que é super pesada. Ainda tem duas costuras, mas esta aqui não tem nenhuma — sai completamente finalizada da máquina. Precisei fazer algumas modificações e cortar algumas coisas, mas é possível também.

E isso era justamente o objetivo do projeto com a Peterson & Stoop: criar algo como uma malha dupla (double jersey), um tipo de tecido mais grosso, que também saísse pronto da máquina. A ideia era ultrapassar os limites do que costumam fazer com knits convencionais. Queríamos criar um calçado usando um monomaterial, para facilitar a reciclagem. Apesar das cores diferentes, é tudo feito com nylon regenerado, a partir de redes de pesca recicladas. Usando um único material, o processo de desmontagem e reaproveitamento fica mais simples. Isso foi essencial pra gente — criar um produto mais simples, de certa forma, porém mais complexo de outra (risos). Mostramos que não é preciso usar fios elásticos ou materiais fusionados para ter um bom resultado.

O seu trabalho mostra como experimentar e tentar novos caminhos pode gerar algo único. Mas, pelo que você está dizendo, parece que é difícil prever o que a máquina vai produzir, certo?

SuzanneSim, é bem difícil de prever. Por exemplo, seria impossível descobrir certas coisas só enviando um tech pack (documento com as especificações exatas do que o designer quer que o fabricante produza). E se você só seguir o tech pack, talvez não perceba que a máquina não consegue formar um ângulo, e já descartaria a máquina por não ser adequada. Mas, pra mim, justamente por ela não ser adequada, eu busco alternativas. E, de repente, você descobre uma nova estrutura que muda completamente porque você seguiu outro caminho. Pra mim, pensar fora da caixa, ultrapassar limites e fazer diferente é essencial.

Por exemplo, nesse tipo de knit, eu não sabia que a cor apareceria desse jeito por dentro da trama. Por isso ter uma máquina e trabalhar ao lado dela é essencial. Não teria conseguido de outra forma. É isso que mais me interessa: descobrir as propriedades e implementá-las em um produto.

Quanto tempo leva para fazer uma amostra como essa?

SuzanneEssa aqui, em específico, levou cerca de três dias com o técnico. Fizemos toda a pesquisa em três ou quatro dias — tudo mesmo. Mas depende muito de com quem você está trabalhando. Por exemplo, o que fizemos com a Peterson & Stoop levou um ou dois anos. Depende de quantos botões você quer apertar, até onde quer ir e o quão complicada é a máquina. Mas digamos que uma amostra como essa, com os ajustes certos, leva meia hora pra sair da máquina — se não tiver, pode demorar meio dia, ou o dia inteiro. É muita tentativa e erro, ajustes finos.

Você tem uma trajetória incrível, e dá pra ver que seu sucesso é resultado de se manter fiel a você mesma e à forma como acredita que as coisas devem ser feitas. Qual conselho você daria pra quem quer começar seu próprio negócio?

SuzanneVocê precisa realmente se manter fiel a si mesmo, ter perseverança e não perder de vista pra onde quer crescer. Quando tiver dificuldades ou contratempos, não perca esse foco. Acho que se manter curioso, ultrapassar os limites e gostar do que você faz — essa é a forma mais sustentável de fazer as coisas. Se manter fiel a si mesmo e fazer do seu jeito é, pra mim, a essência. Mas, pra isso, você precisa se conhecer (risos).

Nike Flyknit Racer
Dona: Suzanne Oude Hengel
Ano: 2023
Fotos: Kickstory
Color Grading:
Julio Nery

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