Formada em dança, sua curiosidade e inquietação levaram Gessica a trabalhar com publicidade por vários anos com consultorias e planejamentos estratégicos. Foi em 2014 que sua jornada com a adidas começou, e mais tarde trabalhou como diretora de cultura pela agência Vista.
Em 2016, para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, a adidas chamou 4 cariocas para criar um Superstar em homenagem à cidade. A Gessica foi uma delas, e na nossa entrevista ela conta detalhadamente o processo de criação do tênis, nos mostrando os símbolos e histórias que foram inseridos nessa releitura carioca do clássico Superstar.
Gessica nunca imaginou que todas as suas vivências e bagagem cultural poderiam inspirar a criação de algo como um tênis, que suas emoções e ideias fossem concretizadas em algo que pode estar no pé de tantas pessoas. E isso vai muito além de estar associada a uma marca grande como a adidas, é algo que passará para a vida de outras pessoas.
Toda vez que queria reforçar sua identidade carioca, ela usava o seu Superstar ‘Rio de Janeiro’, até ser mordido pelo seu cachorro. Mas esse par que ela levou para a nossa entrevista estava novinho, ela nunca colocou no pé. Os planos é que no futuro ele fique guardado em uma caixa de acrílico para suas futuras gerações verem a sua conquista.
“Eu sou Gessica Justino, 33 anos. É muito difícil falar sobre si mesma porque as pessoas esperam que a gente fale sobre nossa trajetória profissional, quantas coisas você já realizou. Mas eu sempre gosto de falar de mim a partir da minha construção social mesmo. Sou essa pessoa de 33 anos, desertora do Rio de Janeiro, nasci em Niterói, me tornei uma cidadã carioca por absorção da cidade do Rio, porque Niterói é uma cidade vizinha do Rio de Janeiro. Vim de uma família negra, brasileira, com todas as questões e soluções de uma família negra brasileira. E também com uma herança cultural muito forte, que nem é tão elaborada, mas que hoje eu consigo entender o valor de tudo isso que minha família me deixou.
Eu sempre tive uma vida meio mambembe, falando um pouco mais das minhas decisões pessoais. Quando eu decidi qual faculdade ia fazer, com o que eu ia trabalhar, era tudo muito não linear. Então, passei por algumas universidades, mas eu decidi estudar dança na universidade.”
De onde veio a sua vontade de estudar dança?
gessica No meu entendimento, falar sobre pessoas, comportamento, compreender a forma que o mundo se movimenta, vem muito a partir do que os corpos se expressam. O corpo é o lugar onde tudo se resolve, onde tudo começa. Então pra mim dança era, é até hoje talvez o potencial de comunicação mais forte.
Eu sempre fui uma pessoa muito curiosa, muito inquieta, e talvez seja por isso que minha vida tenha sido uma trajetória meio mambembe. Eu me questionava porque aquilo acontecia, como acontecia, e às vezes só nos questionamentos e respostas diretas, eu não tinha resolução. Então eu precisava de um lugar mais sensível para compreender isso, e a dança me aproximava um pouco mais da compreensão. Passei pelo lugar de bailarina, dancei em alguns países, participei de companhias, mas precisava ser um pouco além daquilo. Isso já era muito grandioso, mas precisava transbordar.
Então esse meu jeito curioso e inquieto de ser, me levou a ter uma profundidade de análise cultural a partir desses elementos que a dança me dava – que é uma observação social, um questionamento, um olhar sensível. E isso começou a ser interessante pra galera de publicidade. Marcas, empresas começaram a precisar de pessoas como eu: que não vinham de um background publicitário, que não tinham vícios que a comunicação, ou até o marketing, trazia ali para solução de negócio. Começaram a me chamar para consultorias, planejamentos estratégicos, e foi assim que eu comecei a minha jornada profissional.
“Então esse meu jeito curioso e inquieto de ser, me levou a ter uma profundidade de análise cultural a partir desses elementos que a dança me dava – que é uma observação social, um questionamento, um olhar sensível.”
E qual foi a sua trajetória, desde saindo do Rio de Janeiro até hoje, morando em São Paulo?
gessica Faz mais de 3 anos que vim morar em São Paulo. Já passei por outras cidades, morei um tempo na França, passei pela Alemanha, Inglaterra, um monte de lugar sem falar uma vírgula de inglês (risos), mas vivendo muito bem nesses lugares e me comunicando da maneira que eu acredito.
Nessa trajetória toda eu fui atravessada por algumas marcas, e por ser uma pessoa que também estava nesse lugar de observação prático, na rua, vendo as coisas acontecerem, sendo parte da rua de maneira viva. Algumas marcas como Rider, adidas, viram nisso um potencial interessante para criar coisas. E aí a história continua.
Mais do que ser só uma cabeça criativa, fui também uma cabeça pensante pra essas marcas específicas que precisavam entender um pulso de rua, mais contemporâneo. Eu passei por lugares como a Sharp, que é o hub de inteligência cultural e estratégia, e lá eu cuidava da conta de Pernod Ricard, criando estratégias a partir de inteligência sócio-cultural para coisas que a marca não conseguia compreender, que não conseguia definir qual caminho seguir. Passei pela Vice Brasil, onde eu tinha um lugar muito híbrido na qual eu fazia essa ponte entre o que tá acontecendo no mundo, os objetivos da empresa e apresentar quais seriam os caminhos e oportunidades, alimentando os objetivos da Vice e de todos os seus outros braços.
E então, em 2014 comecei a minha jornada com a adidas, onde eu fui diretora de cultura e relacionamento pela Vista, que é o braço de cultura da adidas. Eu cuidava de uma carteira de 84 pessoas que são megafones contratados da marca. Eu pensava em como acontecia esse relacionamento, a gestão dessas pessoas e também como que as estratégias da marca podiam ser ativadas da melhor forma. Eu tinha que entender um pouco do universo dessas 84 pessoas, que entre elas eram: Pabllo Vittar, Anitta, Agnes Nunes, alguns selos como a Ceia, uma galera de lifestyle esportivo, como os Desimpedidos, que faz conteúdo futebolístico, a galera da Dibradoras. É muita gente. Fora também oportunidades orgânicas que acontecem quando esses 84 não conseguem atender a todas as estratégias da marca ou que a gente precisa para uma oportunidade pontual. Pensávamos também num futuro de marca em período de contratação, quem é uma galera nova que a gente quer trazer pra perto.
Há pouco tempo eu recebi o anúncio de que essa cadeira não vai ser mais estratégica, ela vai ser uma cadeira só operacional e eu decidi que não seria mais interessante pra mim. Então essa jornada com a adidas que começa lá em 2014, 2015 e 2016 quando eu fui convidada pra ser uma das criadoras do Superstar Rio, chega ao fim agora em 2021. Tudo que é bom começa e um dia acaba.
Então essa entrevista está marcando o fim de um ciclo – o tênis que deu início a sua trajetória com a adidas, hoje você está falando dele, marcando o final dessa história.
gessica Exato! A entrevista veio pra fechar. Eu tenho um carinho especial pela marca. Acredito muito na construção de relacionamento que a marca tem com as pessoas, ela se compromete com aquilo que pode fazer. Então você vê, dificilmente uma marca de streetwear vai estar com alguém aí presente tanto tempo. De 2014 até 2021 é muito tempo. Normalmente as marcas querem aproveitar a oportunidade do agora e sair.
Fora isso, eu faço vários outros projetos paralelos e lidero algumas campanhas publicitárias. Acho muito curioso porque a galera que não sabe da minha história acha que “ah, ela é da publicidade”. Não, eu não sou da publicidade, eu venho de outro lugar, de outro background e sou muito feliz por isso.
E por que você decidiu sair do Rio e vir para São Paulo?
gessica Eu decidi vir pra São Paulo pelo mesmo motivo que a maioria das pessoas – trabalho. Foi num período pós olimpíada, pós copa, um período de sucateamento político na cidade e realmente ficou insustentável continuar lá fazendo as coisas que eu fazia. Então com muita dor no coração, saí da minha cidade. Eu não tenho nenhum familiar aqui em São Paulo, então no começo foi um pouco complicado. Mas tenho muitos amigos cariocas, de outros lugares e também amigos paulistanos, que hoje formam minha grande família aqui na cidade.
Confesso que não gosto muito da cidade, mas também preciso confessar que São Paulo foi muito generosa pros meus objetivos, tem sido dessa forma. Então eu vou procurando todos os dias um jeitinho de amar a cidade. Então São Paulo, me dê motivos pra não ir embora, pra continuar aqui (risos). E o Rio de Janeiro segue sendo meu lugar de conforto, o lugar pra onde eu sempre volto, inclusive todo mês tô passando por lá.
Talvez se eu não fosse carioca, eu não sei se saberia viver e passar por tantos lugares. Isso faz muita diferença. Porque acho que o Rio de Janeiro propõe pra gente uma transição, uma coisa shuffled. Você precisa se adaptar a todos os lugares, a cada esquina é uma cidade diferente. Rio é uma cidade pequena, mas ela propõe que você se adapte às coisas e que você tente buscar felicidade dentro dessas mudanças. Então uma hora eu tô de frente pra praia, daqui a pouco, se eu dou dois passos, eu tô no meio de uma comunidade, numa favela e viro a esquina eu tô na rua mais luxuosa da cidade. E aí, daqui a pouco tem um samba na rua, depois eu vou ter uma praça com uns caras andando de skate e daqui a pouco eu vou ter um jazz. E aí você ama essa cidade, você vira tudo isso.
“Esse tênis foi criado como um desejo da marca. A adidas tinha o desejo de construir esse projeto específico para as Olimpíadas de 2016. Então a ideia era fazer um tênis que homenageasse a cidade – por isso que o nome é adidas Superstar ‘Rio de Janeiro’.”
Por que de todos os seus tênis, você escolheu o adidas Superstar 'Rio de Janeiro' para o seu Kickstory?
gessica Esse tênis foi criado como um desejo da marca. A adidas tinha o desejo de construir esse projeto específico para as Olimpíadas de 2016. Então a ideia era fazer um tênis que homenageasse a cidade – por isso que o nome é adidas Superstar ‘Rio de Janeiro’. A estratégia para essa criação foi a seguinte: o Superstar é um clássico. O que seria um clássico com a cara do carioca? Um tênis que é adaptável para qualquer situação. Então a partir desse desejo de marca, a adidas procurou pessoas que trouxessem esse lugar aspiracional da cidade, pessoas que pudessem trazer suas histórias de vivências autênticas para esse tênis. E aí eles convidaram eu, a Marcela Ceribelli, a Hayala Garcia e o Fernando Schlaepfer. Éramos pessoas com vivências e visões sobre o Rio de Janeiro muito diferentes, e cada criativo teve uma participação, um olhar dentro da construção desse tênis, mas existiam alguns pontos norteadores.
Dentro desses pontos tinha, cara, é um Superstar, a estrutura dele é essa, é um tênis branco. Segundo, o tênis precisa representar o Rio de Janeiro pro mundo. Então quais são os códigos cariocas que o mundo consegue ter uma leitura? E aí o desafio era não ser um tênis estereotipado, não trazer os estereótipos que já não fazem sentido pra gente. O clichê, até quando ele é um arquétipo que pode ser positivo, tipo é o que é, e como isso poderia ser traduzido da melhor forma sem parecer mais do mesmo. E aí a gente relançou um próximo desafio, que foi: ele precisa ter algum impacto, seja social ou ambiental. Em 2016, avanços em sustentabilidade já era um pilar da marca. Então foi uma oportunidade incrível que nenhuma marca tava falando disso aqui no Brasil, principalmente de sneaker. Trouxemos esse lado ambiental no solado, ele é feito de borracha reciclada.
Para a criação do tênis a gente começou a fazer uma imersão gigante. Uma loucura. Do tipo “cara, o que é, o que traduz o Rio de Janeiro? Quais são coisas que só o Rio de Janeiro tem?”. E a gente falou – Sol. Não é que só o Rio de Janeiro tem Sol, o Sol nasce para todos, mas no Rio o Sol é diferente. A cidade tem uma energia solar, e o Sol emana uma energia que se traduz no comportamento das pessoas. O carioca é solar, não importa tua idade. Pode estar chovendo que vai ser solar, pode ser noite, que vai ser solar. A gente começou a trazer pensamentos, “esse Sol não é amarelo, é um Sol dourado”. E aí, cara, mais o quê? Quando a gente fala de Sol, a gente fala de céu. E aí tem uma informação: Rio de Janeiro é a cidade que tem o céu mais azul do mundo.
Outro ponto que encontramos foi, cara, ok que praia é só 6% da cidade do Rio, mas o carioca tem uma identificação com ela. Mesmo quem mora em Duque de Caxias, que não é na cidade, mas é uma região próxima, quem mora no Méier, não tão próxima da praia, mas a pessoa tem uma energia da praia. Ela é o lugar onde eu vou, é um ponto de encontro. E esse céu muito azul, reflete na água, e vira uma experiência única a mistura com a espuma ali na beirinha. E a gente traduziu isso nesse camuflado. Ele não é só um camuflado comum, se você parar pra observar ele é como se fosse a espuma do mar.
E aí tinha uma coisa do marketing querer trazer o ícone das calçadas, as pedras portuguesas. Pra gente essa história não era tão legal de contar, a pedra portuguesa não é algo que contribuiu muito pra história do Rio de maneira positiva, mas é um ícone. Então trouxemos a textura das pedras nas palmilhas.
“O Superstar é um clássico. O que seria um clássico com a cara do carioca? Um tênis que é adaptável para qualquer situação. Então a partir desse desejo de marca, a adidas procurou pessoas que trouxessem esse lugar aspiracional da cidade, pessoas que pudessem trazer suas histórias de vivências autênticas para esse tênis.”
Qual o significado desses detalhes aqui na parte de trás do tênis?
gessica O que seria hoje uma expressão urbana que une praia e asfalto? Rio de Janeiro tem muita transição entre praia e asfalto. A gente traz um long e uma pranchinha, os dois em dourado.
Esse Superstar não é o tênis com o design mais arrojado – ele é um tênis simples como o carioca é. O carioca anda de chinelo, a gente vai de chinelo pro casamento. A gente quer algo pra calçar e ser fresh. Então acho que esse Superstar consegue trazer a alma do carioca.
E este par está novinho, você já usou ele alguma vez?
gessica Esse não. Eu tenho um outro que tá roído pelo meu cachorro (risos). Eu usava ele o tempo todo. Quando eu queria me assumir enquanto carioca em qualquer lugar, era ele. Eu ia trabalhar, do trabalho pra balada, ia beber uma coisa na esquina, ia no mercado, era ele. Aí meu cachorro falou “chega” e mordeu um pedacinho. Esse aqui eu vou colocar numa caixa de acrílico pra mostrar pros meus possíveis filhos ou pras minhas possíveis próximas gerações. Essa é a herança que eu já consigo deixar.
Foi um projeto muito incrível de participar, e algo muito inesperado também. Porque imagina, eu sou só uma carioca comum que vive a cidade do jeito que eu acreditava que ela deveria ser vivida. E de repente a adidas, que é uma marca que eu já usava, já fazia parte do meu lifestyle me convida pra ser uma das criadoras. Isso me deixou num lugar de muita honra. Falei “caramba, mãe, virei o Pharrel” (risos). É algo que eu nunca imaginei que toda essa bagagem cultural e vivência autêntica pudesse inspirar a criação de um produto. Então acho que é uma das realizações mais importantes da minha vida. Não por ser associado a uma marca, mas por transformar em algo que todo mundo pode usar. Eu sei que tem um pouco da minha emoção, das minhas vivências, tem um pouco de mim. Pensar que isso pode estar no pé de qualquer pessoa, de várias pessoas, isso me deixa muito feliz. Posso dizer que não plantei ainda uma árvore, mas espalhei alguma coisa importante no mundo.
“É algo que eu nunca imaginei que toda essa bagagem cultural e vivência autêntica pudesse inspirar a criação de um produto. Então acho que é uma das realizações mais importantes da minha vida. Não por ser associado a uma marca, mas por transformar em algo que todo mundo pode usar. Eu sei que tem um pouco da minha emoção, das minhas vivências, tem um pouco de mim. Pensar que isso pode estar no pé de qualquer pessoa, de várias pessoas, isso me deixa muito feliz. Posso dizer que não plantei ainda uma árvore, mas espalhei alguma coisa importante no mundo.”
Qual foi o seu primeiro contato com tênis, e hoje, o que ele significa para você?
gessica Eu demorei muito tempo para elaborar na minha vida qual era a importância do tênis porque era uma simbiose muito comum pra mim. Então eu não tinha e acredito que até hoje eu não tenha esse lugar da super elaboração do tênis. Tênis era uma coisa comum e eu acho que é isso é que se torna muito potente a minha relação com tênis. Porque não é algo que eu consigo “fakear”.
Eu morava com os meus tios e avós. Desde criança, eu lembro do meu avô com os tênis mais baixinhos, tipo o Topper. Já os meus tios eram da cultura do Funk Miami, eles usavam muito o Nauru, que era o famoso sapatênis, mas ele tava na cultura sneaker carioca de maneira muito forte. Minha avó também sempre usou muito tênis, Nauru, Reebok, o Rainha. Quando eu fecho os olhos, eu lembro desses tênis, mas dentro de um lifestyle muito urbano. Imagina, os meus tios quando se preparavam pra ir pro Funk, ou na época pro Baile Charme, que era o R&B, era o momento de ápice de estileira. Os caras pegavam a melhor roupa que tinham – desde os macacões largos, os pullovers gigantes, as calças de marca de sportwear, Cyclone, a própria Redley que era uma marca de sportwear muito forte. Quando eu via isso, eu conseguia entender o universo que aquele tênis era associado.
Eu sou de uma família popular, mas que tinha muito primor pelo que você veste e pelo que você calça. Eu lembro dos meus tios falando “eu vou pegar o meu liso no Camaleão” (risos), que era um Mizuno com olho de gato. Eu lembro do meu tio abrir o armário e ter as prateleiras com tênis da Mizuno, Puma – que era uma marca muito forte na época, o adidas – eu lembro muito do Stan Smith, hoje ele virou um tênis meio coxinha, mas na época ele era muito representativo da marca, os próprios Superstar, o Nike – Nike Shox, o Nike Air Max. Era de uma maneira muito popular, mas tinha uma presença ali muito forte.
E fora as associações que tinham, por exemplo, entre sneaker e chinelo. Pra gente que era carioca, chinelo também fazia parte de um lifestyle de streetwear, de uma cultura urbana. Kenner por exemplo, com aquele soladão. Sou muito fã da marca, e ela traz um comportamento de rua que dificilmente outro chinelo vai trazer, porque ela tem o solado pesado, com tiras grossas, ela é uma parada pra tu bater. Você consegue ter o mesmo comportamento de estar com um tênis, com um Kenner. Então a marca sempre esteve naquele lugar com uma relação de status e usabilidade. Eu cresci vendo essa relação com tênis e eu meio que absorvi, e eu usava sem elaborar muito. Eu entendi que aquilo ali tinha sincronia com a minha vida.
Em que momento você percebeu que tinha uma paixão especial por tênis? Quando teve aquele “clique” de que tênis era algo especial?
gessica Eu comecei a olhar tênis com mais carinho quando comecei a ver suas histórias. Quando eu falei, “vou comprar um tênis bonito, de uma marca que eu acredito, é confortável, mas qual história que ele conta?” Eu comecei a me apegar demais nessas histórias. Por isso que eu fico muito contente e orgulhosa de ter ajudado a construir a história, hoje, de dois tênis. Então, hoje na minha realidade, eu penso em três pontos para consumo de tênis: conforto, usabilidade e entender qual a relação e propósito daquela marca comigo.
Você tinha comentado também que o Super Sleek do Ivy Park Rodeo tinha uma história que era muito importante para você.
Eu acho que eu vou ser apedrejada ao falar isso, mas eu não sou uma super seguidora da Beyoncé. Eu curto mas não faço parte desse hype Ivy Park. Mas eu preciso confessar e admirar o quão bonita tem sido a história que a Ivy Park tem construído. É muito legal e profundo, ela realmente consegue contar uma história e ter algo hoje de impacto. Hoje a marca tem coleções que vestem corpos que ninguém veste – isso traz humanização e proximidade pra marca.
E nesse último Drop, que é o Ivy Park Rodeo, eu me identifiquei muito. Quando criança, fui criada num lugar que era meio rural, meio urbano, lá em Niterói. E a Ivy Park Rodeo fala da trajetória de caubóis negros, que são histórias invisibilizadas. Quando vi a história que eles estavam contando, eu me transportei pra tudo que eu via na minha infância, isso não é tão longe, não é uma coisa tão distante. Então essa vivência de campo e de pessoas negras no campo, eu posso dizer que tive.
Quando você olha pra concentração de pessoas negras e construções culturais, existe também uma força muito grande rural. Então, qual história que pessoas negras, rurais, sertanejas – sertanejo eu não to falando de música só, mas de cultura sertaneja, de pessoas do campo – tem contado? E quando você olha os produtos, eles contam isso: o jeans é pesado, é um jeans que você vê na galera com a labuta do campo. O adidas Super Sleek, que é o que eu tenho, o jogo de cores dele com a textura do tecido junto com o tratorado fez com que aquele tênis parecesse uma bota de peão mesmo.
Além do adidas Superstar, você também teve a oportunidade de participar da criação Redley Prisma, uma marca que de certa forma, também representa o Rio, e esteve bastante presente na sua vida. O que todo esse processo representou para você?
gessica Foi muito legal participar do processo criativo desse tênis. Foi muito curioso porque primeiro, como eu falei pra vocês lá atrás, Redley é uma marca que sempre esteve presente na minha vida. É uma marca estritamente carioca, que nasce no subúrbio da cidade num momento em que, 1985, surfwear era sinônimo de streetwear, o surfwear inspirava a cultura urbana. E quando a Redley nasce, ela é absorvida muito por uma galera que está conectada à cultura de rua real.
E por um momento a marca se distanciou e pegou uma vibe meio escandinava do surfwear, ficando num surf muito distante. Não era um surf brasileiro, se tornando assim uma marca que não fazia mais sentido. A Redley entendeu isso e falou “cara, a gente olha aqui pra nossa construção de produto e é sempre a mesma, a gente só muda de cor. A gente teve Nauru, tivemos uma consistência tão forte no Brasil mas hoje em dia a gente tá virando um grande nada”. Daí, nessa tomada de consciência deles, eles entenderam que precisavam voltar a se conectar com as suas raízes, e trazer talvez, começar a trazer, uma linha de produto que falasse um pouco mais de se conectar com o agora. E aí nasceu esse tênis, esse que é o novo Prisma. Ele traz um solado menos hatch, você olha e fala “é Redley”. Ele tem uma tag vermelha, ele traz toda uma estrutura que você identifica a marca ali. Com esse tênis você vê que é uma tentativa de começar a se conectar de verdade com a galera que curte sneaker, que tem um comportamento e um lifestyle mais conectado com o agora.
adidas Superstar ‘Rio de Janeiro’
Dona: Gessica Justino
Ano: 2016
Fotos: Pérola Dutra