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Cristian Resende

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18—05—2021 Fotos por Pérola Dutra
Cristian Resende
Entrevista Nº 170

Sentamos para conversar com Cristian Resende, sócio fundador do Cartel 011, onde no futuro será o novo espaço da marca. Vindo do interior de Minas Gerais para São Paulo, ele conta suas experiências com varejo e o que o levou a criar o Cartel 011 – um conceito de loja que abrange diversos universos em um único espaço, com moda, arte, gastronomia, e é claro, tênis.

Ele acredita na experiência do varejo, de ir à loja, de poder ver e sentir os produtos ao vivo e como essa interação é importante. Na entrevista, Cristian fala sua opinião sobre vendas onlines, bots, mercado de resell, calendário de lançamentos e como precisamos repensar em todo esse consumo excessivo.

Para seu Kickstory, ele escolheu falar de um tênis que vai totalmente contra essa onda de excessos e “hypes”. A visvim, famosa marca japonesa, representa o processo desacelerado de consumo, pois os produtos são desenvolvidos em processos manuais e de técnicas milenares com produtores locais. O objetivo do Hiroki Nakamura, dono da marca, é criar produtos que tenham história, função e durabilidade com altíssima qualidade.

“Eu sou do interior de Minas Gerais e trabalhei em duas multimarcas lá. Peguei esse momento da Company, trabalho do Mauro Taubman, que pra mim foi o grande cara que fez uma marca jovem, cool, acessível e tinha um DNA próprio, um olhar muito do que estava acontecendo lá fora. Quem não tinha uma mochila da Company não era legal – ela foi uma das primeiras coisas que eu conheci como objeto de desejo. Eu comecei a trabalhar na Primeiro Lote, nesse auge da Company. Depois, em 90, eu refino o olhar e pego o auge do jeans e do jeans brasileiro – Ellus, Triton, Forum, Zoomp.”

Qual foi sua trajetória – desde da época com loja em Minas, até abrir o Cartel em São Paulo?

Cristian Em 1996 eu abri minha primeira loja, que era de calçados. Lá eu vendia adidas Torsion, o Gazelle Hemp que estava no auge, e obviamente toda linha preto e branco de adidas Originals. E peguei também o início da Schutz só com sapato masculino, vendendo papete meio adventure, com a sola de cortiça espanhola muito boa. Depois, passei pra uma loja maior e comecei a vender roupas.

Quando chega 2004 eu quero sair de Minas e vir pra São Paulo. Eu tinha uma marca de camiseta e moletom que eu já vendia na Doc Dog. Vim pra cá, comecei a trabalhar com private label, fechei a loja lá, e prometi pra mim que nunca mais ia ter varejo.

Encontrei com o Mário Protti e ele me chamou para trabalhar num projeto novo da Doc Dog, com jeans. Passou um ano e ele falou “cara, eu quero você dentro da Doc Dog cuidando do masculino”. Aí ele deu tudo o que eu mais queria: com 30 anos de idade eu ia na feira fashion de Las Vegas – a Magic. Você tinha todo esse mercado de moda masculina, como a Stussy, a Obey num boom absurdo. Foi o “inicinho” desse cenário consolidado que tem hoje. E trazendo essas marcas de lá que nasceu a Doc Dog Sneakers.

Nessa época, a gente tinha o Pérsio fazendo um trabalho muito bom com a Maze; o Murinho, com a Nike fazendo uma aposta nele para abrir a The Lab e o Igor da Kings, obviamente, que estava construindo o seu legado. E eu tava nessa ponta, total moda da Doc Dog com o Mário deixando eu poder viajar e importar marca, o dólar não tava tão alto e tinha um esquema de importação da empresa muito bom. Então foi uma época que eu fui bem feliz. Poder comprar coisas legais e trazer coisas legais. Fiquei até 2009, a empresa mudou algumas diretrizes e eu resolvi fazer outras coisas. E aí começou a história do Cartel.

Eu saí da Doc Dog, já estava morando em Pinheiros, e eu e meus amigos estávamos naquele momento meio do home office, sabe? Com escritório dentro de casa. Mas aquilo não deu muito certo – que é um pouco do que a gente vive agora, a gente precisa dessa troca, conversar, ver pessoas. E aí, sem saber a expressão coworking, começamos com escritórios compartilhados, mesas entre amigos mesmo. Eu já sabia que queria ter uma loja e meu sócio, Fernando, queria muito ter um restaurante. Eu era de produto e de moda, e ele mais de evento e arte. Então em cima ficou a área de coworking, e embaixo a galeria com eventos e exposições.

Abrimos mesmo em 2009 e a primeira versão em loja foi em outubro de 2010, com a popup do Jeremy Scott. Em dezembro a gente termina a pop up e vira multimarcas. Em 2013 a gente abre a FootBox, já vendendo todas as marcas.

“Uma Louis Vuitton com o Virgil e isso é uma mudança muito radical pro mercado, porque essas grandes marcas começam a se juntar com o mercado mainstream. Se for olhar, o que está acontecendo na cena hoje é essa referência do Instagram, tá todo mundo igual, todo mundo bebendo as mesmas referências.”

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Como era a cena de rua brasileira quando você começou e quais eram as influências da época?

Cristian O cenário de street nos anos 90, era só de marcas nacionais de surfe. Tinha uma referência de moda muito do Rio de Janeiro ainda, não era tão urbano como é hoje. E a moda era ditada por TV, comprar uma revista importada como uma The Face por exemplo, era caríssimo, e difícil de achar. Aí depois, por causa da cena clubber, você começa a ter as revistas da época – a Trip, Mundo Mix, em 2006 a Erika Palomino lançou a revista Key, que foi super relevante pra época também. Mas a informação não vinha da forma que vem hoje.

Lá atrás, a gente comprava tênis de esporte em loja de esporte. Mas os stylists de uma The Face, uma ID ou uma Dazed já misturavam o esporte com o casual. Não foram as marcas que criaram esse link. Foram os trabalhos dessa geração de stylists, desse comportamento, desse período que começou a montar looks em editoriais que tinham mais essa mistura. Óbvio, você tem os clássicos aí de Cortez, Air Force, de Dunk, têm todas essas histórias, mas esse produto que hoje culminou nesses tênis super híbridos, com tecnologia de esporte que é vendido no casual, isso nasceu de styling de moda de revistas.

Ontem eu vi um post que falava desse período da informação digital, que ela está sendo uma informação só pra tudo – tá todo mundo se repetindo em cima de um hype. É difícil ver algo fresco na cena independente Por exemplo, você tem uma Dior, uma Céline mudando absurdamente, uma Louis Vuitton com o Virgil e isso é uma mudança muito radical pro mercado, porque essas grandes marcas começam a se juntar com o mercado mainstream. Se for olhar, o que está acontecendo na cena hoje é essa referência do Instagram, tá todo mundo igual, todo mundo bebendo as mesmas referências.

O Cartel 011 tem uma história muito importante na cena brasileira de streetwear, como uma plataforma de uma moda jovem e urbana. Por alguns anos vocês foram a única loja física da América Latina a vender NikeLab. Como foi esse projeto?

Cristian Para ter uma NikeLab no Brasil, em 2013, a gente teve que criar a FootBox. Ali foi um processo desenhado junto com a Nike. Eles começaram a vir pra cá porque era a jornada de Copa e Olimpíada, e eles precisavam de uma loja que falasse mais do que só o que eles chamam de ‘label’ – essa coisa de ‘sneakers obsessed’, de rua, aquela loja de paredão de slatwall, vendendo tênis com boné aba reta. Até porque, o primeiro produto a ser lançado naquele momento seria o Nike com o Riccardo Tisci, e aquilo era moda, né? Não tinha referência do streetwear.

Nessa época o Leandro Maia trabalhava na YourID e eu o acompanhava pelo Instagram. Eu gostava do olhar e do trabalho dele. Quando a gente abriu a FootBox, o primeiro lançamento foi do Camo pack, e no dia que o Lê foi comprar, eu falei “Você vai vir trabalhar comigo, desde da Doc Dog eu te acompanho”. E aí começamos a jornada juntos, a gente executou um trabalho muito bom pra Nike, principalmente nesse período.

Mas vale lembrar que a gente começou a loja com a adidas x Jeremy Scott. A Tiane Alan, que hoje tá na Alemanha, foi muito visionária, ela entendeu o que a gente queria fazer. Ela contou que o Jeremy estaria vindo pro Brasil. Eu já tinha vendido o Jeremy Scott na Doc Dog, um dos primeiros de asinha dourada, mas jamais imaginava que eu ia ter o tênis na loja e que o Jeremy ia vir pra cá e a gente ia cuidar de tudo – das entrevistas, recebê-lo, fazer a festa no centro no terraço do Edifício Planalto. Foi um começo muito grande.

“O acesso é o que, gente dormindo na fila? Eu acho uma puta falta de respeito você botar um consumidor pra dormir na porta da loja por três dias. E por que que um cliente que compra regularmente, que tem uma relação com a loja, por que que a gente não pode fazer um clube de fidelidade? Ele é fiel, esse cliente tá aqui e tá comprando, ele tem um histórico, ele merece… esse é um assunto polêmico que só reafirma o quanto eu fico brigando.”

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Dá para perceber que você se preocupa muito com a experiência do consumidor de ir a loja física, e ter o contato com os produtos. Pensando que vocês vendiam tênis exclusivos para um momento de bots, venda online, tênis hypados e resellers, o que você acha que mudou nessa experiência?

Cristian O meu cliente nem tá indo na loja quando chega esses produtos hypes, porque ele acha que não vai conseguir comprar. Então o online ajudou no acesso, mas antes eu não podia vender NikeLab online. A Nike falou “você tem que vender na loja física, tem que dar o acesso ao cliente”. O acesso é o que, gente dormindo na fila? Eu acho uma puta falta de respeito você botar um consumidor pra dormir na porta da loja por três dias. E por que que um cliente que compra regularmente, que tem uma relação com a loja, por que que a gente não pode fazer um clube de fidelidade? Ele é fiel, esse cliente tá aqui e tá comprando, ele tem um histórico, ele merece… esse é um assunto polêmico que só reafirma o quanto eu fico brigando.

E sabe, não tem que ser o clube do bolinha. É chato. Tênis é um código, ele é um elemento de uma cultura jovem. Ele não tem que virar isso que ele tá virando. Tênis é pra gastar, é pra usar sabe? É ser jovem, é viver. Mas você ficar ali com o tênis, aquele fetiche, objetivar… todo excesso pra mim vem de uma carência.

A gente vendia tênis que não tinha hype nenhum, essa época era mais gostoso. Não vejo nenhum reseller falar ou saber o que é um Nike Inneva. E foi um tênis que chegou e vendeu um monte, muito rápido, com uma cartela de cor foda. Mas assim, porque era para aquele consumidor que gosta.

O calendário de lançamentos está muito acelerado. Hoje eu acho que é difícil para um jovem, em um mês, conseguir comprar todos os lançamentos, ele já tem que escolher o que ele vai comprar. Ele pode ter a grana que for, mas acho que bate um “pra que que eu vou comprar mais?” Não dá mais. E ainda o processo de compra se tornou desgastante, não é mais prazeroso. Ele te gera ansiedade, ele te gera angústia, você vai ser sorteado ou não vai? E eu não sei se isso é compatível com o período que a gente tá vivendo pandêmico e pós-pandêmico, em que estamos repensando se isso continua fazendo sentido.

E agora a gente vai entrar no pior período porque no final do ano, os preços vão estar muito altos e não é só por causa do câmbio. O Brasil é um país com um problema grave de economia, de previsibilidade, você vê que algumas marcas recuaram o investimento muito por isso. Um produto mainline vai passar a ter o preço de um produto tier zero. O poder de compra vai diminuir porque o salário não está aumentando, a gente tá vivendo uma inflação, muita recessão, pessoas sem emprego e tal. E aí se esses números de sell out não girarem, a compra e a importação também vai começar a diminuir. Então é uma grande prova que a gente tem nos próximos anos de como esse mercado vai se sustentar. Então toda essa briga de reseller, não sei o quê, maquiou muito a realidade do negócio.

Como você vê esse momento do mercado, onde nem sempre quem está comprando os produtos são os consumidores que querem ter eles?

Cristian Nos últimos tempos, por conta dos resellers, a gente não tava vendendo pro consumidor final. Então eu não sei até que ponto eu posso considerar que essa venda é uma venda real, no sentido de, se eu tô comunicando diretamente com aquele consumidor que gosta e que quer. Eu passo a ser quase um distribuidor de uma a outra ponta de venda, quase um atacadista. Será que as pessoas não estão cansadas de ter que comprar de reseller, de ter que ir atrás, e pagar um valor inflacionado? Eu vejo um monte de amigo falando “puta, queria tanto comprar esse tênis e não consigo”. Mas quem tá comprando essa merda? Porque a gente não tá vendo usar também. Quem tá usando? O que vai acontecer daqui pra frente, será que a gente vai ter uma volta disso?

Olhando para o Ian (Kickstory) tá super bem vestido: a camisa Oxford, com a calça cargo no tom certo de navy, o tênis camel super neutro, a bag The North Face. E isso não é sobre um hype, isso é um cool, isso mostra que o Ian sabe se vestir, que ele não precisa comprar o último look ou o último trend. Ele tem personalidade, ele gasta o dinheiro dele certo. É esse consumidor hoje que eu quero falar.

“Nos últimos tempos, por conta dos resellers, a gente não tava vendendo pro consumidor final. Então eu não sei até que ponto eu posso considerar que essa venda é uma venda real, no sentido de, se eu tô comunicando diretamente com aquele consumidor que gosta e que quer. Eu passo a ser quase um distribuidor de uma a outra ponta de venda, quase um atacadista. Será que as pessoas não estão cansadas de ter que comprar de reseller, de ter que ir atrás, e pagar um valor inflacionado?”

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Teve um momento em que você acabou dando um tempo de tudo isso e foi passar um tempo em Portugal. Como foi esse processo?

Cristian Eu não aguentava mais trabalhar, pra ver todo um negócio voltado para um reseller ganhar dinheiro em cima do consumidor que entende, que gosta e que quer apenas usar o tênis. A gente estava trabalhando pra alimentar um negócio paralelo. E aí no lançamento final de The Ten eu surtei e avisei a Nike “esse último Air Max a venda será fechada direto com meu cliente”. Eu fui massacrado. Tem um monte de gente que não gosta da gente, mas tem um monte de gente que não sabe.

Fiquei estressado e tirei um tempo para fazer essa consultoria em Portugal. Foi super importante pra mim entender o mercado lá, e toda a indústria que existe em Portugal com fábricas que fazem todos os moletons do New Guards Group – Off-White, AMBUSH e Opening Ceremony. É tudo de um grupo só. E você se conecta muito rápido lá. O que eu fiz aqui em anos, lá eu fiz em um ano, de conhecer e se conectar com as pessoas e tudo mais. Portugal é uma porta de entrada pra Europa. Mas é um mercado extremamente complexo também, não se consome como aqui, não tem esse frenesi daqui, é uma compra mais consciente. E isso me fez repensar muita coisa, o mindset europeu é muito diferente do nosso.

E esse período me levou a um questionamento – teria que ser a última coisa que eu como empresário e que tenho loja deveria estar falando, mas gente, você realmente precisa comprar mais um tênis? Esse dinheiro que você investe em tantas coisas vão te fazer crescer como pessoa, ser mais interessante ou mais legal? Você pode gastar menos e só ser você. Então eu acho que começa a nascer um mercado novo com mais consciência.

“E esse período me levou a um questionamento – teria que ser a última coisa que eu como empresário e que tenho loja deveria estar falando, mas gente, você realmente precisa comprar mais um tênis? Esse dinheiro que você investe em tantas coisas vão te fazer crescer como pessoa, ser mais interessante ou mais legal? Você pode gastar menos e só ser você. Então eu acho que começa a nascer um mercado novo com mais consciência.”

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Estamos fazendo essa entrevista onde será o novo espaço do Cartel 011. O que você pode contar sobre essa nova fase da loja?

Cristian Se não fosse o processo da pandemia aqui já estaria aberto. Foram duas tentativas de abrir e aí lockdown. Tem um projeto todo que vai acontecer aqui e daria para fazer uma outra entrevista só falando disso (risos).

Porque você escolheu falar da visvim? E o que fez você escolher os FBTs e a bota para o Kickstory?

Cristian Porque eu to com essa bota da Visvim: pra mim o negócio é muito mais o design de produto. Eu adoro tênis, pelo conforto e pelo que ele representa dentro da santíssima trindade do guarda-roupa jovem, mas, eu tenho essa referência do utilitário. E essa bota eu consegui comprar em Tóquio mesmo, na loja da visvim. Foi um sufoco, um sofrimento pra comprar. É difícil porque eles produzem pouco e quando ela chega na loja, acaba muito rápido. Eles têm um consumidor fiel que compra. Eu fiquei 15 dias em Tóquio, e sempre quando passava na loja, nunca tinha. Aí o vendedor falou “você tem que deixar avisado, pagar, e aí você vem retirar”. É um outro esquema, não pra compra pra revender, é diferente. Você vê que visvim não cai muito em reseller, mesmo sendo caro e limitado, ele não é um produto que agregou esse hype de valor de revenda. Eles construíram uma marca linda e que não muda, é sempre a mesma coisa. E eu acho que é como o mercado vai ter que voltar a ser.

Os produtos da visvim são feitos para durarem a vida toda e para cumprir uma função. A qualidade dos materiais e os processos de fabricação são pensados para um calçado feito para ser usado. Comparado a outros que você tenha e goste de usar, você acha que esse tênis da visvim reflete mais com o seu mindset atual?

cristian Pra mim é muito sobre isso. Eu gosto de tênis, gosto de usar tênis. Todo tênis branco meu fica com a memória de final de festa, sabe? Aquela laminha assim de piso molhado, de pista, sabe? Tênis pra mim é pra usar, sempre foi. Mas não tenho muitos… quando vira ostentação, deixa de ser natural. Pra mim tem que ser um reflexo mais fluído, mais natural.

A visvim é uma marca independente que busca qualidade.Esse tênis eu comprei em 2007. A gente tá em 2021 e eles vendem esse tênis até hoje na versão camurça, franjinha, com miçanga. Ele criou um clássico. Se você olhar esse produto, o desenho dele não é velho. Se esse design lá do início de 2000 até hoje é referência e relevante, esse design é bom. Ele passou no “teste do tempo”. Sem contar a qualidade do produto: olha esse couro, o nylon, o zíper é Riri, os detalhes são impecáveis.

O que eu percebo é que ultimamente tem se lançado muita coisa ruim, design ruim. Não é um design pensado. Você tem coisas super boas, mas ultimamente a gente tem visto outras que você sabe que vai nascer e morrer.

Um design de produto que bebe do clássico mas que tem essa cara híbrida e que tem uma forma de design mais contemporânea que eu tenho gostado muito é o New Balance 327. Esse é um design que olha pro passado, que é retrô, mas tem formas e estabilidade só de desenho, de sola, que é muito bom. Isso chama atenção.

Eu não consigo achar nenhum tênis da Off-White, Off-White marca, bom. Os únicos tênis que foram bons são os Off-Whites da Nike, que é o design da Nike fazendo. Aí quando você olha um tênis puro Off-White é um produto esquisito.

Você lembra quando começou a sua paixão por tênis? Quando foi aquele momento que você viu um par e deu aquele “clique” especial?

cristian Essa resposta vou ter que puxar do trauma de infância, já rodou até na terapia (risos). Por coincidência hoje eu tô com um moletom vermelho que fala um pouco dessa coisa do mineiro, católico…que tem a ver com a história que vou contar.

Eu lembro claramente o primeiro tênis que eu quis muito ter e não pude ter. Eu era criança, ou seja, seus pais não vão comprar muitos tênis né. Enfim, ele era um tênis vulcanizado de lona, vermelho e era o início dessa moda lá dos anos 80 de tênis de velcro. Mas no final, era só um tênis de lona vermelha, vulcanizado com velcro. Eu olhei pra minha mãe com brilho nos olhos e ela falou “Não vou comprar esse tênis, escolhe outro.” Eu falei “Por quê, mãe?” e ela: “Ah, esse tênis é de menina… vermelho de velcro, esse tênis não é de menino, escolhe um de menino.” Aquilo gravou na minha cabeça “gente, mas eu escolhi um tênis de menina?”. Então ali eu entendi que eu já gostava de calçados diferentes. Ele tinha uma tecnologia, não tinha cadarço, fechava com velcro. Era vermelho, que é uma cor forte, vibrante, como sangue, então na terapia eu fui entender o por que que eu acabei gostando de trabalhar com calçados. Quando você é jovem, aquilo que te falam “não”, te marcam né? Eu não saí com tênis de menina e fiquei com isso na cabeça.

Fazer o tênis unissex com a Mary Jane pra mim foi um prazer. Mesmo sendo para os dois, eu fiz o tênis pensando para menina, numa marca de skate de menina…e a menina sempre teve que comprar o tênis do menino para andar de skate. E aí pra mim foi essa a mudança, eu poder fazer tênis de menina e de menino que eu queria usar.

Somos muito fãs dessa colaboração que fizeram com a Mary Jane. Que outras colaborações você curtiu fazer também?

cristian Eu fiz uma com a Converse. Foi uma trilogia em cima do Pro Model que contava a história do bairro de Pinheiros: Mata Atlântica, uma estampa de mata atlântica com uns insetos, besouros e grilos coloridos gigantes; Índios, uma cestaria indígena deformada em 3D que de longe você olhava parecia uma estampa de oncinha; e bandeirantes, o cano alto fazia referência a celaria de cavalo, com aqueles trabalhos de prensa com arabesco. Cada um tinha as cores – o indígena com a sola vermelha, referência ao pau-brasil. O bandeirantes com a sola amarela, que era o ouro.

A primeira com a Rider foi super prazerosa também e foi uma bola dentro nossa. A marca procurou a gente para fazer um slider. E eu falei “eu só faço se for o ícone dos anos 90, a papete.” E falaram “Não, a papete não tá na coleção.” E eu falei “Nos anos 90 o que mais vendia era sandália, vocês tem que ter isso no acervo de vocês.” Foi uma briga, mas aí eles apareceram com um protótipo, e eu falei “Gente, é isso. Concordam? Vamos colorir isso aqui, vamos acertar e tal.” E aí em 2016 a gente lançou o papete RX e virou isso que vocês viram. Foi uma coisa que criamos e isso foi realmente uma aposta minha.

Eu tô gostando tanto de fazer colaboração com a indústria nacional e gente que não é hypada, sabe? Gosto de trazer coisas ao invés de fazer uma colaboração que vão falar “você pode fazer só isso, isso ou aquilo”. Fazer esse produto com a Mary Jane foi tão prazeroso, poder falar o que queria, poder mexer e ter autonomia.

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Comprado: 2013
Dono: Cristian Resende
Fotos: Pérola Dutra

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