Marc V. Brosseau Marc V. B.

Marc V. Brosseau

Billionaire Boys Club x<br />
Reebok Zig Kinetica II Billionaire Boys Club x
Reebok Zig Kinetica II
17—03—2023 Fotos: Kickstory
Marc V. Brosseau
Entrevista Nº 187

Se você acompanha o que a Reebok tem lançado nos últimos anos, você com certeza já viu algum trabalho do Marc V. Brosseau. Por admirar o seu trabalho já a um bom tempo, ele foi a primeira pessoa que falamos quando decidimos fazer a nossa viagem para os Estados Unidos.

Marc trabalhou durante 7 anos como designer na Reebok e hoje é designer sênior de calçados da linha Ivy Park na adidas. Sua lista de projetos na Reebok é grande e vai do Sole Fury à colaboração com a Cardi B, diversas edições do Club C e principalmente o Zig Kinetica II em inúmeras versões e colaborações do modelo.

Ele nos recebeu no seu estúdio em Los Angeles, onde conversamos bastante sobre design, a forma como ele aborda seus projetos e como usa seus famosos bootlegs para se expressar.

Para sua entrevista Marc escolheu falar de um tênis que foi um marco muito importante na sua vida – o Billionaire Boys Club x Reebok Zig Kinetica II. Um tênis desenhado por ele, em que ele colocou muitas referências e gostos pessoais.

No geral, Brosseau fornece uma visão única sobre a indústria de tênis e como o design pode impactar a cultura e a moda. Sua experiência e perspectivas são valiosas para qualquer um que esteja interessado em design, moda e cultura.

“Meu nome é Marc V Brosseau. Atualmente sou o designer sênior de calçados da linha Ivy Park da adidas. Desenho tênis há 10 anos, cresci no Canadá e tenho formação em design industrial, o que me levou a um estágio na Reebok, onde trabalhei por sete anos. Na Reebok eu trabalhei em quase todas as categorias, de inovação a Reebok Classics, Zigs, esportes, Tech-Style, CrossFit e, por fim, liderei o time de design para as colaborações de streetwear como parte da equipe de energy com o Leo Gamboa e uma equipe incrível. Acabou que eu fiz muita coisa por lá. 

Antes de ser designer, eu era biatleta semiprofissional da Seleção Canadense de biatlo. Para quem não sabe, o biatlo é a combinação de esqui cross-country e tiro, é um esporte Olímpico. Com o esporte, eu adquiri disciplina e isso me ajudou a ter foco para estar realmente imerso e concentrado no mundo do design. Ele também me deu uma nova perspectiva sobre como traduzir as coisas que aprendi como um usuário de calçados. 

Essa época foi quando eu comecei a entender as diferenças entre o lado funcional dos calçados, o desempenho, a corrida e, em seguida, o lado do estilo, porque eu andava de skate quando era mais novo, mas o esqui cross-country não é um esporte “descolado” como o skate. Você usa meia-calça, tudo é vermelho, preto e de fibra de carbono. Eu jogava minhas botas no banco de trás do carro e eu sempre tinha um par de tênis de skate pronto para usar. Tipo, é estranho você estar lá abastecendo o seu carro e usando botas de esqui (risos). Então eu sempre pensei que havia mais espaço entre o esporte e o lifestyle ou casual, e hoje não acho que eles sejam tão segregados quanto era antes. Aproximar a lacuna entre os dois lados tem muito a ver com a minha filosofia de design e de mesclar mundos – unindo-os em um só”. 

Como atleta de biatlo, você customizava seus próprios rifles. Foi assim que você se interessou pelo design?

marc Eu mudava meu rifle a cada temporada. Eu pegava a Dremel, esculpia as peças, e foi uma experiência de crescimento aprender como não ser tão apegado com coisas que outras pessoas valorizam. Eu gostava muito de carros personalizados e aprendi a usar o aerógrafo pra fazer pintura neles. Então comecei a fazer esses trabalhos bem elaborados de pintura personalizados nos rifles. 

Vários atletas de alto nível viam meus rifles e perguntavam se eu poderia fazer alguma customização nos deles. Foi aí que comecei a customizar rifles de outras pessoas e de muitos amigos. Como são peças essencialmente funcionais, eu queria que fossem bonitas também, mas não importava elas serem bonitas se não fossem funcionais. Pra mim, o importante sempre foi a combinação entre o bonito e o funcional, e eles podiam ser ambos – e eu não conseguia largar essa ideia. Quando entrei no design, o mundo dos esportes e especificamente dos calçados parecia ser o melhor lugar para focar nesse interesse.

Eu pegava a Dremel, esculpia as peças, e foi uma experiência de crescimento aprender como não ser tão apegado com coisas que outras pessoas valorizam.”

Compartilhar

E como você foi de personalização de rifles de biatlo para design de calçados?

marc Estudei desenho industrial e fiquei obcecado com a história dessa área, pessoas como os Eames, Raymond Loewy e esses designers industriais icônicos. Tanto design de carros ou design de móveis, eu fiquei realmente interessado nisso. Ao mesmo tempo, eu não conseguia entender a ideia deles criarem algo que fosse relevante por um longo período de tempo e com impacto tão grande na cultura do design e na cultura pop em geral. Fiquei obcecado com essa ideia e senti que o calçado seria a próxima fronteira, devido ao ritmo com que desenvolvemos as coisas nesse universo. 

Tem dois componentes neste negócio. O primeiro é o lado do commodity, então as pessoas vão a uma loja de departamento tipo a T.J.Maxx para comprar um tênis decente, mas que custa 60 dólares – esses são descartáveis e isso é uma grande parte do negócio. Mas também há outra parte que é cheia de emoção, na qual as pessoas têm uma conexão real com o produto. E eu estava realmente interessado em como você pode criar algo que tenha um propósito e uma conexão real com o que se destina a fazer, como por exemplo algum esporte, mas é tão especificamente construído para que as pessoas desenvolvam um apego a ele fora de seu propósito original. 

Acho que muito dessa minha visão vem do fato de que onde eu cresci, você até conseguia comprar uns tênis, mas as coisas especiais só existiam nas revistas. Não tinha distribuição, nem lojas de streetwear. Essa camiseta que estou usando é da Off the Hook que é uma loja de streetwear em Montreal, e eles eram os únicos naquela época. Você não podia comprar estilo, simplesmente não tinha nada disso por perto. Então, acho que hoje você vê muitas pessoas criativas que vêm desses mercados menos comuns. As pessoas pensam que Nova Iorque ou Los Angeles é onde tudo acontece, mas as pessoas que estão lá, não são de lá. Elas vêm de lugares onde não tinham acesso às coisas que têm hoje. Eles são criativos porque tiveram que criar com o que tinham à disposição. Você não pode comprar estilo, você precisa criá-lo, incorporá-lo e ter um certo nível de confiança que só vem com tentativa e erro. E ter a atitude de “eu acho isso legal, então é o suficiente.”

As pessoas pensam que Nova Iorque ou Los Angeles é onde tudo acontece, mas as pessoas que estão lá, não são de lá. Elas vêm de lugares onde não tinham acesso às coisas que têm hoje. Eles são criativos porque tiveram que criar com o que tinham à disposição. Você não pode comprar estilo, você precisa criá-lo, incorporá-lo e ter um certo nível de confiança que só vem com tentativa e erro.”

Compartilhar

Quando você morava em Montreal, você já gostava de streetwear e tênis? Ou isso é algo que veio mais tarde na sua vida?

marc Eu até gostava, mas não me chamaria de sneakerhead. Eu gostava de coisas estilosas em geral, me interessava como certas silhuetas de tênis ficavam com certos tipos de roupas. Para mim, nunca foi sobre conseguir tal par de Air Force, era mais sobre ir em um T.J.Maxx e procurar coisas que fossem legais e estranhas, coisas que eu conseguiria fazer funcionar em um look. 

Sempre gostei de calçados e tênis mas nunca liguei por toda essa narrativa que rolava em volta desses tênis. Onde eu cresci a narrativa era diferente. Não tinha nada de “esse tênis de basquete exclusivo do jogador tal” ou “ele é relevante por causa dessa cor” – ok beleza, mas essa cor é feia. Quem se importa? Eu nunca fui muito detalhista com esse tipo de coisa. 

Quando eu comecei a trabalhar na equipe de inovação da Reebok, fiz perguntas básicas às pessoas: “Você usaria isso? O que você quer usar e por quê? Por que você gosta disso?” Porque eu quero fazer coisas que eu quero vestir. Um tênis esportivo não precisa sempre ser só preto e verde limão. Vamos fazer um tênis creme, com entressola branca e uma sola gum. E foi isso que fiz no Reebok Nano 7 – eu fui o primeiro a fazer o Nano branco com a sola em borracha gum, mesmo que essa colorway sempre tenha sido “reservada” para os modelos Classics.

Os Nanos são realmente muito bons para CrossFit, mas agora as pessoas podem sair do seu treino, colocar uma calça jeans e ir no supermercado usando o seu Nano. Quando usamos apenas “cores esportivas”, isso não faz sentido. Então desenhei um monte de Nanos pretos com a sola gum, uns hits retrôs para ficar mais próximo do que fariam em Classics. E eles fazem essas cores até hoje – o Nano preto, branco com solado gum são umas das cores mais vendidas dessa categoria. Mas antes do Nano 7, as marcas nunca tinham feito isso antes.

Você trabalhou na Reebok por sete anos. Como foi seu primeiro contato com a marca e como você conseguiu o emprego?

marc Eu tava prestes a assinar um contrato com outra empresa porque eu precisava fazer um estágio para me formar, e eu já tinha trabalhado um pouco na França. Eu tava tendo muita dificuldade para encontrar emprego no setor de calçados porque muitas dessas empresas não contratam pessoas de nível iniciante que precisam de vistos e eu não sabia disso. Então, em junho, felizmente do nada, a Reebok me ligou. Eles viram um projeto de calçados para faculdade que eu mesmo fiz tudo do zero, aí eles entraram em contato e falaram: “Nós temos um programa de estágio que vai começar em julho. Vem pra cá que a gente te ajuda a conseguir o visto, você pode ficar aqui o ano inteiro”. Ainda faltava um ano na faculdade e eu já tinha tirado um ano viajando, então eu não conseguiria me comprometer. Mas eles falaram “vamos fazer isso ser um estágio de verão, vem até aqui e a gente resolve”. Eles foram muito prestativos e me deram todo o apoio, e eu amo muito essa marca e as pessoas que fazem parte dela, porque minha vida teria sido muito diferente se isso não tivesse acontecido. Fiquei muito grato e animado na época. 

Coloquei todas minhas coisas no meu Honda Civic e me mudei para Boston. Enquanto eu tava lá, conheci minha esposa e construí alguns relacionamentos muito bons. Comecei na equipe de Classics e logo já tava trabalhando na minha primeira collab, um Classic Leather exclusivo para a Overkill’, uma boutique de tênis em Berlim. Eles estavam fazendo um tênis para o Oktoberfest de última hora e não tinha ninguém para fazer o trabalho, aí falaram “esse cara é bom com cores, coloca ele para fazer”. E eu pensei “eu consigo fazer muito mais do que só cores” (risos), mas no final do dia nos divertimos muito. Tinham três colorways, elas ficaram muito populares e esgotaram rapidinho. Esse foi o primeiro tênis que eu trabalhei que foi lançado. 

Eu acabei me aproximando do vice-presidente, líder de design de calçados, Dan Hobson, e ele foi pra mim, como um mentor por muito tempo e um bom amigo. Ele viu algo em mim que talvez eu ainda não tivesse visto, me acolheu e me mostrou o caminho. Quando fui contratado para voltar pra Reebok em tempo integral, eles me colocaram na equipe de corrida. E eu fiquei tipo “Equipe de corrida? Ok, legal, essa é uma ótima oportunidade para aprender”. Eu queria muito fazer produtos de performance porque, em Classics, você não faz muitos solados e silhuetas novas porque é tudo retrô. Então um belo dia eu cheguei no trabalho e eles falaram “Agora você está na equipe de inovação”. Eu não sabia o que isso queria dizer, mas fiquei animado. 

Eu tive a oportunidade de trabalhar lá por muito tempo, e criei o Reebok Sole Fury com o resto da equipe, e realmente martelamos a necessidade desse espaço entre os Classics e a performance. Aquele tênis deu super certo, realmente empolgou o consumidor e isso criou a necessidade da marca ter esse espaço entre os dois mundos – o esporte e a moda. Naquela época essa área chamava Tech-Style, depois esse time virou Zig, depois virou o setor de streetwear.

Na nossa opinião os tênis da Reebok têm uma estética e qualidade únicas. Uma das coisas que nos chamou a atenção no seu trabalho foi que você conseguiu realmente capturar aquela vibe de Reebok nos produtos que criou. Qual é a sua abordagem para trabalhar essas silhuetas clássicas e criar novas com o DNA da marca?

marc O motivo de esses tênis serem diferentes o suficiente para as pessoas gostarem, e familiares o suficiente para serem reconhecíveis, é que eu não me apaixono por essas coisas. Eu enxergo do ponto de vista de um observador externo. Digamos que você seja um designer do Nike Air Max: muitas vezes as pessoas realmente amam a silhueta e é muito difícil para elas pensarem “Isso poderia ser melhor”, porque elas podem achar que é a melhor versão que já existiu. E para a maioria das coisas que eu já fiz eu nunca tive esse sentimento. Tô sempre pensando que algo pode ser melhorado, eu vejo o que ele pode ser. 

O Reebok Sole Fury, originalmente, foi inspirado no Reebok Ventilator. O Ventilator foi relançado quando eu era estagiário e eu achava que era o tênis mais idiota – não pela ideia, a ideia era demais, mas sim o pensamento de ventilação em 1980 e tantos, quando todos os tênis eram feitos de couro cortado e costurado. Você não pode chamar isso de ventilação só porque tem um pedacinho de mesh na lateral que não ventila nada. 

Partimos do Ventilator como uma ideia e levamos essa ideia o mais longe que deu. Ele não tinha essa cara desde o começo, os primeiros esboços eram muito toscos e tinham uma sola dividida em dois módulos, porque toda base era para ser uma placa de fibra de carbono perfurada que ventilasse toda a sola do pé dentro do tênis. Eventualmente, mudamos o cabedal e fizemos algumas mudanças necessárias. Nos concentramos na história em volta do Fury, porque a ideia original do Fury era realmente sobre colocar toda a tecnologia que a Reebok tinha na época em um tênis de 30 peças – naquela época os tênis normalmente tinham mais de 100 peças. Então adotamos mesmo aquele espírito de “se não tem uma função, se não tiver um propósito, tá fora”. Tivemos a ideia de fazer um tênis ousado, mas que na verdade fosse bem simples.

Nos concentramos na história em volta do Fury, porque a ideia original do Fury era realmente sobre colocar toda a tecnologia que a Reebok tinha na época em um tênis de 30 peças – naquela época os tênis normalmente tinham mais de 100 peças. Então adotamos mesmo aquele espírito de ‘se não tem uma função, se não tiver um propósito, tá fora’. Tivemos a ideia de fazer um tênis ousado, mas que na verdade fosse bem simples.”

Compartilhar

Quanto espaço você tinha pra ser criativo quando trabalhava na equipe de inovação?

marc Muito. Eu criei bastante espaço porque sou um cara muito prático. Vocês poderiam até ter falado com Mike sobre isso também, já que estávamos no mesmo time. A gente recebia esses briefings de projetos que basicamente diziam “estagnado”, e mesmo assim a gente conseguiu que alguns deles chegassem ao mercado. O briefing que chega para a criação é sempre muito literal. Às vezes as ideias são boas e atuais, mas tem gente que acaba se limitando e se sentindo muito restrito com as “regras” para a execução. Porém o design não está no briefing – ele só serve como uma lista de pontos que você precisa “ticar” para ter sucesso. O design, a criatividade, o sentimento de “nossa, eu nunca vi isso antes” – isso não vive no briefing, vive em todas as entrelinhas dessas “regras”. E é aí que foco, nessas entrelinhas. 

Se eu tivesse lido o briefing do Sole Fury do jeito como ele foi escrito, eu teria feito algo que era inevitavelmente uma versão estilizada de algo que já existia. Em vez disso, eu pensei: “Vamos olhar para as coisas que a gente mais gosta no tênis e vamos tentar manter isso, só que não de forma literal. Vamos analisar qual a essência dessas peças que mais gostamos”. Aquela sensação de ser super leve, rápido, vamos tirar essa narrativa que tem por trás das peças. Por que isso foi impactante naquela época? Esse é o sentimento que precisamos replicar, não o formato em si.

O briefing que chega para a criação é sempre muito literal. Às vezes as ideias são boas e atuais, mas tem gente que acaba se limitando e se sentindo muito restrito com as “regras” para a execução. Porém o design não está no briefing – ele só serve como uma lista de pontos que você precisa “ticar” para ter sucesso. O design, a criatividade, o sentimento de “nossa, eu nunca vi isso antes” – isso não vive no briefing, vive em todas as entrelinhas dessas “regras”. E é aí que foco, nessas entrelinhas.”

Compartilhar

Criativamente, como é o seu processo de trabalho para esses projetos?

marc É muito fluido. Acho que meu superpoder pessoal é sempre me perguntar o que quero fazer. Tô sempre perguntando “O que eu quero vestir agora que não estou vendo no mercado? O que está no mercado agora que é quase o que eu quero? Como isso precisa evoluir para que eu me interesse?” Então tô sempre sentindo o clima do mercado, quando chega um briefing eu normalmente já tenho um arsenal de ideias que vou guardando com o tempo. Mas a real é que passo muito mais tempo pensando antecipadamente sobre o que quero fazer do que de fato sentando e fazendo na hora. 

Eu tento encontrar o que o projeto precisa para as pessoas comparem a ideia. Às vezes é um esboço bem bonito, principalmente se for uma evolução de algo que já existe. Às vezes é um modelo tridimensional e aí trabalho com a equipe de modelagem 3D. Muitas vezes é apenas um esboço com um protótipo.

Na entrevista dele, David Filar escolheu o Reebok Zig Kinetica Edge II, que vocês trabalharam juntos. Foi um tênis que você desenhou e ele trabalhou no solado Vibram. Como surgiu esse projeto?

marc O briefing era que a gente precisava fazer uma atualização em um tênis de trilha que já existia. E imediatamente eu sabia que queria colocar uma sola da Vibram nele. Eu já era amigo do David e contratamos ele para participar do projeto. No começo o pessoal tava muito com o pé atrás e não tavam entendendo o projeto. Eu fiz um monte de desenhos, fiz uma apresentação e tudo, mas na minha cabeça eu ainda estava pensando: “Eles não vão entender. Só contar a história dele não vai ser o suficiente, eles não vão dar a atenção que esse tênis merece”. 

E é aí que veio esse lance dos bootlegs. Faltavam 30 minutos para uma apresentação sobre este tênis para uma liderança sênior, e eu fiquei pensando o que eu conseguiria fazer em 30 minutos que não fosse um tiro no pé. Então, peguei um tênis antigo de trilha que eu tinha feito, fui até o laboratório de criação da Reebok e comecei a cortar e colar alguns pedaços usando uma pistola de cola quente, fazendo alterações. Fiz uma capa para o tênis e algumas outras modificações, e fui colocando papel dentro para manter tudo no lugar.

Sempre fiz esse tipo de coisa quando eu tava na equipe de inovação, mas sempre achei que ninguém queria ver isso. Foi muito difícil porque sempre fiz essas coisas para mim, para o meu processo de gerar de ideias. Eu só mostrava protótipos refinados e acabados, mas acabei percebendo, especialmente com o Instagram, que as pessoas querem ver as coisas mais cruas. Então fiz este protótipo. 

A sola já existia do Zig e a parte superior também. Tirei o solado daquele cabedal, cortei e colei ali. Eu saí cortando as coisas de um jeito bem tosco, pegando peças existentes e falando “Eu gosto desta peça nesta parte aqui, eu gosto desta peça aqui”, e as pessoas adoraram. Eu fui pegando o gosto por isso, mas eu gosto de fazer bem rápido. Para o Zig eu tive 30 minutos. 

Funcionou, eles gostaram. Eu fui de, ninguém realmente entendendo por que esse projeto precisava existir, para todo mundo falando “é isso! Temos que fazer esse tênis acontecer”. A narrativa mudou imediatamente. Ali eu entendi o valor da prototipagem. E tudo isso aconteceu em uma fase já bem avançada da minha carreira. Sempre achei que meus sketches não eram bons o suficiente, e que eu precisava deixar eles mais refinados. Mas não acho que a resposta estava no desenho… Designers adoram “sketchar”, mas no ramo, nem todo mundo é designer.

Eu fui de, ninguém realmente entendendo por que esse projeto precisava existir, para todo mundo falando ‘é isso! Temos que fazer esse tênis acontecer’. A narrativa mudou imediatamente. Ali eu entendi o valor da prototipagem.”

Compartilhar

Você tem feito alguns bootlegs (cópias de tênis feitas à mão) muito divertidos desses tênis hypados e alguns deles realmente explodiram nas redes sociais. De onde veio a ideia e quando você começou a fazer isso?

marc Toda hora eu to fazendo um. Tem diferentes níveis de como eu enxergo o bootleg: tem “o que leva cinco minutos” e depois tem o “eu consigo fazer algo que parece ser o de verdade”, e isso leva muito mais tempo. Então depende do que estou tentando alcançar. No final do dia, são apenas ferramentas fundamentais de prototipagem e aprendizado de design industrial. 

Levei muito tempo para ver o valor nisso e realmente começou como uma piada. Já fiz muitos tênis que para a Reebok eram vanguardistas e futuristas, e eu tinha muito orgulho de ter feito aquele produto, aquele desenho. Mas quando eu postava no Instagram, ninguém ligava. Foi muito difícil emocionalmente ver isso acontecendo. Ninguém se importava, foi muito difícil. Ou, às vezes eu fazia algo que eu achava que funcionava muito bem para a marca, atual, com belas formas, e os comentários eram “nossa, isso parece um Yeezy” ou “Yeezy da Reebok”. Se por Yeezy você quer dizer: atual, vanguardista ou design realmente inteligente, então sim, eu aceito. Mas isso era como um insulto para mim. Me deixou mal por um bom tempo. Mas eventualmente, eu comecei a achar muito engraçado. Eu pensei “Como faço para transformar isso em uma piada?” 

Um dos meus amigos tinha trabalhado na coleção “The 10” e ele fez o Off White x Converse Chuck Taylor. Então ele tinha os cadarços originais da Off White, mas ele colocou em um Chuck branco aleatório, e escreveu “bootleg” (pirata) com aspas na entressola e desenhou o coração da CDG (Comme Des Garçons) na lateral. Isso passa uma vibe de “Foda-se tudo” e ao mesmo tempo requer um nível de confiança do tipo “Eu posso fazer algo que é só de zueira, só uma imitação, mas isso é legal porque sou eu que to usando.” Tem um nível de confiança que eu realmente admiro. 

Dois, três anos depois, o Zig foi lançado e todo mundo tava falando na internet “Parece um Yeezy” e eu só pensando “Do que você está falando? Não tem nada a ver com um Yeezy”. Então eu pensei “Você pode transformar qualquer coisa em Yeezy se desenhar um Yeezy nela.” Então eu fiz exatamente isso e as pessoas acharam muito engraçado. Por isso que eu desenhei o Yeezy 700 no Zig. 

À medida que as pessoas se interessavam, eu comecei a receber haters. Algumas comentavam: “Cara, vai arranjar um emprego e compra o tênis de verdade” (risos). Eu queria que eles tivessem essa cara meio cagada mesmo e algumas pessoas entendiam e outras não – e eu fiquei realmente entretido com essa ideia. Você sabe o suficiente sobre tênis para entender o que tá rolando, mas não sabe o suficiente sobre mim para sacar que é tudo zoeira. Eu adorei. Isso realmente me deu uma sensação de desapego, separando minha autoestima do meu trabalho e no final, acabei me divertindo muito. E também tirando um sarro da minha profissão no geral – é só tênis. No final do dia, é só um tênis.

E por que de todos os projetos e colaborações que você fez, e os tênis que você tem, você escolheu especificamente o Billionaire Boys Club x Reebok Zig Kinetica II para o seu Kickstory?

marc Eu não sou uma pessoa nostálgica e não tem nenhum tênis que eu consiga dizer que mudou minha vida quando eu era jovem. Mas eu escolhi este tênis em particular porque ele de fato mudou minha vida. É um marco no tempo muito importante para mim. Eu desenhei e fiz o Zig, o tênis de linha, a versão normal, não a de colaboração, e dediquei muito tempo e esforço nesse tênis. Eu tava muito comprometido e dedicado quando fiz ele. Obviamente, existe toda uma equipe por trás de tudo, mas o design em si tem muito de mim. 

Foi muito gratificante para mim ver os caras da Brain Dead, BBC, o A$AP Nast, gostarem tanto do tênis, e quererem usar ele como base para uma colaboração. Aí coincidiu eu terminando o Zig, com minha transição para a equipe de streetwear. Então eu pude trabalhar essas colaborações em cima de um tênis que eu mesmo tinha desenhado. Muitas das colaborações que tive a oportunidade de trabalhar eram tênis de outras áreas que outros designers tinham feito, e o meu papel era ajudar esses parceiros a colocarem a sua identidade e visão naqueles projetos. Mas esse foi um dos únicos projetos que eu desenhei o tênis original e também trabalhei na colaboração com um parceiro. 

Joseph Au, o diretor criativo da Billionaire Boys Club, e eu criamos uma conexão muito boa. Ele gostava muito de uniformes e trajes militares vintages, especialmente coisas do Japão que você pode encontrar nos brechós. Queríamos trazer aquela sensação de nostalgia usando uma estampa original da BBC das antigas – o digi camo. Eles têm um arquivo enorme e muito rico de diferentes camuflagens – até porque estamos falando do Pharrell e do Nigo. Parecia ser bem relevante, então pensei “E se a gente montasse esse tênis da mesma forma que uma tenda militar ou uma jaqueta militar retrô teria sido construída?” Porque são essencialmente funcionais, e o Zig também é. 

Foi muito divertido e nós nos divertimos muito. Todos os acabamentos da versão “esportiva” original do Zig, tudo que era prensado a quente, fusionado, e estruturado de forma inteligente, a gente transformou em detalhes de artesanato, focados na durabilidade. As cores são totalmente do meu gosto pessoal. Usar um tênis assim com essa entressola bege assim, é algo que eu faria com certeza. 

Por isso que eu escolhi esse tênis, tem muito de mim nele. E eu tive a ajuda de pessoas incríveis. Pra mim, este tênis é um marco na minha história, uma transição que me levou para o que tô fazendo hoje. E é engraçado que para mim, esse tênis já é velho. Eu venho trabalhando no Zig há quatro anos já, desde 2018. Fiz várias versões diferentes, fiz uma versão de trilha, fiz colaborações e tals. Então o fato de eu ainda gostar dele depois de todo esse tempo, mostra que ele é realmente algo especial.

Muitas das colaborações que tive a oportunidade de trabalhar eram tênis de outras áreas que outros designers tinham feito, e o meu papel era ajudar esses parceiros a colocarem a sua identidade e visão naqueles projetos. Mas esse foi um dos únicos projetos que eu desenhei o tênis original e também trabalhei na colaboração com um parceiro.”

Compartilhar

Como você mesmo falou, esse tênis tem muitas referências militares, como a costura e a camuflagem. Qual é a história por trás dessas escolhas?

marc Meu pai era militar, eu cresci amando uniformes militares, e hoje a minha mãe cuida do que era o negócio do meu pai, onde eles fazem reparos e remendos em tendas militares e outras coisas do tipo. Por isso, sempre me interessei pela maneira como as

roupas militares eram feitas, porque existe uma certa beleza que elas são funcionalmente práticas. Normalmente a costura desse tipo de equipamento é super grossa e tosca porque os tecidos são tão grossos e a linha da costura também é tão grossa, e fica realmente difícil manter tudo reto e alinhado. E é por isso que a gente quis usar um fio bem grosso aqui também nos detalhes do tênis. 

Ter esse tipo de detalhe que tiramos das jaquetas militares, como a faixa de ajuste Molle, que é um item básico de equipamento militar, tentei capturar um pouco disso com até o couro que escolhemos. Queríamos que se parecesse com esse couro rachado que você vê nessas jaquetas bombers antigas. Mas eu acho que a história se resume na própria camuflagem, ela tem muita história para a BBC. E na verdade, nem é realmente uma camuflagem, é apenas um monte de pequenos pictogramas de emblemas icônicos da BBC como o tigre, um cowboy com uma pistola e coisas desse tipo. O capacete do astronauta fizemos questão que ficasse visível, e colocamos ele no painel interno do tênis. E isso aqui atrás foi um pedido da equipe da BBC, onde eles queriam colocar “Riqueza é do coração e da mente, não do bolso”, que é tipo o mantra que o Pharrell tem da marca. Joe tinha um kit médico vintage que ele me mandou e disse “curto muito este material com o patch”. Então a gente pensou “Ok, vamos replicar isso”. Aí ficou Type Z 2 porque é o Zig Kinetica 2. E ele fez esses códigos que quer dizer a data de lançamento.

Então, se ninguém prestar essa atenção aos detalhes, tudo bem por mim. Mas são os detalhes que fazem esse tênis ser tão bom. E as pessoas conseguem sentir que alguém se importou o suficiente para colocar tudo isso no tênis, mesmo não sabendo de todo o processo.

E como foi sua transição para a adidas? Você pode contar um pouco do que você tem feito para Ivy Park?

marc Tem algumas coisas muito legais em andamento que eu estou bem empolgado. Para contextualizar como eu acabei chegando aqui: eu trabalhei no primeiro tênis da linha da Cardi B com a Reebok. E isso deixou bem em evidência que tem toda essa cultura de tênis das mulheres que não está sendo atendida. E é muito louco por que é uma forma de olhar completamente diferente de um homem sneakerhead tradicional. Quando postaram a coleção da Cardi B nos canais certos, foi só amor. Mas quando você entrava em um Nice Kicks, Sneaker Freaker onde tinha os caras mais das antigas que curtem basquete e tals, os comentários eram “Isso é um lixo, Cardi B é isso e aquilo”. Eles odiaram. 

Eu comecei a perceber que tem algo nisso tudo que eu poderia agregar o que eu vinha fazendo, para expandir nesse mercado que não é tão explorado. A parte importante é que eu acho que existem muitas mulheres que gostam de tênis, mas o ser uma sneakerhead é diferente de uma forma única para elas. Elas têm sua própria opinião e abordam isso de um jeito muito diferente. Tem alguns caras que só pegam um Dunks com umas cores doidas e montam um look para combinar com o tênis. E algumas mulheres fazem isso também, mas acho que a maioria pensa na construção do look de forma muito mais holística. 

O tênis tem que entrar e complementar o corte da calça, ou o vestido, ou o macacão, ou o que quer que ela esteja usando, e elas vão pensar como o tornozelo, a barra da calça e o tênis ficam juntos. É uma abordagem totalmente diferente para o design. Eu realmente gosto de fazer a parte de pesquisa porque a fórmula não vai funcionar se continuarmos fazendo sempre do mesmo jeito. Eu me divirto muito fazendo dessa forma e acho que os resultados falam por si só.

Tenho feito muita coisa, a primeira parte foi me acostumar com uma nova marca, uma nova filosofia de design e diferentes parceiros criativos porque cada um traz algo diferente. Todo mundo quer se ver no produto. No final das contas, meu nome não está naqueles tênis, eles não foram feitos para mim, estou aqui apenas para levar adiante a visão deles. Tô muito animado e orgulhoso de algumas coisas que fizemos. Espero que em 2023 tenham produtos muito legais que façam sucesso.

Eu comecei a perceber que tem algo nisso tudo que eu poderia agregar o que eu vinha fazendo, para expandir nesse mercado que não é tão explorado. A parte importante é que eu acho que existem muitas mulheres que gostam de tênis, mas o ser uma sneakerhead é diferente de uma forma única para elas. Elas têm sua própria opinião e abordam isso de um jeito muito diferente.”

Compartilhar

E para Ivy Park, você trabalha em silhuetas existentes ou cria novas?

marc Para toda a coleção de Ivy Park é sempre esperado um certo nível de novidade e “coolness”, e acho que o que eu fiz na Reebok foi seguindo bem essa ideia. Tudo é uma escala: isso precisa de um pouco de novidade, isso precisa de muita novidade, ou isso é uma coisa totalmente nova. Uma das coisas em que trabalhamos é o uso de cores realmente inovadores. A linha Ivy Park tem uma narrativa muito forte. O que eles trazem é muito mais do que moda, é como fosse a aura da própria Beyoncé. 

É por isso que eu amo tanto o espaço do streetwear, porque tem muita história escondida, tem muito de “Você tinha que estar lá para saber, tem que estar prestando atenção o tempo todo, se você quer a história toda”. Já que estamos lançando essas mensagens para o mundo, queremos que todo mundo consiga captar isso e absorver.

Como a gente falou várias vezes, admiramos muito o trabalho que você faz. Seja dando uma nova vibe a algo clássico, ou criando algo novo que carrega um pouco da história da marca em seus detalhes. Você pode ver a riqueza e o desempenho que foi colocado naquele tênis. O que você acha que deixa as pessoas tão conectadas a esses tênis?

marc Eu acredito que existem três níveis em que as pessoas conseguem identificar e absorver um tênis. O primeiro nível é quando a pessoa vê eles de longe – o formato é reconhecível o suficiente pra falar: “Isso é um Dunk, ou isso é um Gazelle”. Nesse caso, a própria forma do tênis é um tipo de branding por si só. O segundo nível é quando a pessoa tá a uns dois metros de distância ou quando você tá falando com a pessoa e consegue ver o tênis por cima, tem um nível superficial de detalhes. Isso deve ser considerado, mas o que realmente vende é aquele terceiro nível a quinze centímetros de distância – quando  você pega o tênis na mão, sente os materiais, vê os mini detalhes escondidos que você nunca veria em uma foto do tênis. Nesse nível, o objeto deixa de ser um commodity para se tornar um item colecionável, e as pessoas ficam emocionalmente conectadas à história. E isso é muito importante para mim.

Billionaire Boys Club x Reebok Zig Kinetica II
Dono: Marc V. Brosseau
Fotos: Kickstory

Journal

All posts